segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013


Os dons do Espírito Santo: Perguntas Gerais.

• Que são dons espirituais?
• Quantos dons existem?
• Alguns dons cessaram?
• Como buscar e usar dons espirituais?


1. EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA

A. Perguntas associadas aos dons espirituais em geral.
Nas gerações anteriores, os livros de teologia sistemática não continham capítulos sobre os dons espirituais, porque havia poucas questões com respeito à natureza e ao uso deles na igreja. Mas o século XX presenciou um aumento notável no interesse pelos dons espirituais, principalmente por causa da influência dos movimentos pentecostal e carismático na igreja. Neste capítulo vamos analisar brevemente as questões gerais com respeito aos dons espirituais, a seguir examinaremos a questão específica sobre se alguns dons cessaram. Neste capítulo analisaremos o ensino do NT a respeito de dons específicos.
[Estou usando os termos pentecostal e carismático com o seguinte significado: pentecostal refere-se a qualquer denominação ou grupo que tem sua origem histórica no reavivamento pentecostal que começou nos Estados Unidos em 1901 e que sustenta as posições doutrinárias de que a) o batismo no Espírito Santo é um evento subseqüente à conversão; b) o batismo no Espírito Santo torna-se evidente pelo sinal de falar em línguas e c) todos os dons espirituais mencionados no NT devem ser buscados e usados hoje. Os grupos pentecostais usualmente têm estruturas denominacionais distintas, sendo a Assembléia de Deus a mais proeminente.
O termo carismático refere-se a quaisquer grupos (ou pessoas) que têm origem histórica no movimento de renovação carismática dos anos 1960 e 1970, procuram praticar todos os dons espirituais mencionados no NT (incluindo profecia, curas, milagres, línguas, interpretação e discernimento de espíritos) e permitem perspectivas diferentes sobre se o batismo no Espírito Santo é subseqüente à conversão e se línguas é um sinal do batismo no Espírito Santo. Com muito maior freqüência os carismáticos evitam formar suas próprias denominações, antes vêem a si mesmos como uma força de renovação dentro das atuais igrejas protestantes e da Igreja Católica.]
Antes de começar a discussão, contudo, podemos definir dons espirituais da seguinte maneira:
“Um dom espiritual é qualquer habilidade que é concedida pelo Espírito Santo e usada em qualquer ministério da igreja. Essa definição ampla inclui tanto os dons que estão relacionados às capacidades espirituais (como ensino, misericórdia ou administração) quanto os dons que parecem mais miraculosos e menos relacionados a capacidades naturais (como profecia, curas ou discernimento de espíritos).A razão para isso é que, quando Paulo menciona os dons espirituais (Rm 12.6-8; lCo 7.7; 12.8-10,28; Ef 4.11) ele inclui ambas as espécies de dons. Todavia, nem toda capacidade natural que as pessoas têm está incluída aqui, porque Paulo é claro ao mencionar que todos os dons espirituais devem ser autorizados “pelo mesmo e único Espírito” (lCo 12.11), que eles são dados “visando ao bem comum”(lCo 12.7) e que todos eles devem ser usados “para a edificação da igreja”(lCo 14.26).

1. Os dons espirituais na história da redenção.
Certamente o Espírito Santo estava em operação no AT, trazendo pessoas à fé e trabalhando de modo notável em alguns poucos indivíduos como Moisés ou Samuel, Davi ou Elias. Mas em geral havia uma atividade menos poderosa do Espírito Santo na vida da maioria dos crentes. Havia pouca evangelização eficaz das nações, não havia expulsão de demônios, curas miraculosas eram incomuns (embora tivessem acontecido, especialmente nos ministérios de Elias e Eliseu), a profecia era restrita a poucos profetas ou pequenos grupos de profetas e havia pouca experiência do que os crentes do NT chamariam de “poder da ressurreição” sobre o pecado, no sentido de Romanos 6.1-14 e Filipenses 3.10.
O derramamento do Espírito sobre a igreja com a plenitude e o poder da nova aliança ocorreu no Pentecoste. Com isso, uma nova era na história redentora estava inaugurada, e a capacitação da nova aliança do Espírito Santo que fora profetizada pelos profetas do AT (cf. Jl 2.28,29) havia chegado ao povo de Deus; a era da nova aliança se iniciara. E uma característica desta nova era veio a ser a distribuição muito ampla de dons espirituais a todas as pessoas que se tornaram participantes da nova aliança —filhos e filhas, jovens e velhos, servos e servas, todos receberam uma capacitação do Espírito Santo na nova aliança, e assim esperava-se que todos recebessem também dons do Espírito Santo.

2. O propósito dos dons espirituais na era do NT.
Os dons espirituais são dados para equipar a igreja a fim de que ela desenvolva seu ministério até que Cristo retorne. Paulo diz aos coríntios: “De modo que não lhes falta nenhum dom espiritual, enquanto vocês esperam que o nosso Senhor Jesus Cristo seja revelado” (lCo 1.7).Aqui ele conecta a posse dos dons espirituais e a situação deles na história da redenção (esperando pelo retorno de Cristo), sugerindo que os dons são dados para a igreja para o período entre a ascensão de Cristo e o seu retorno. Semelhantemente, Paulo olha em direção ao tempo do retorno de Cristo e diz: “Quando, porém, vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá” (lCo 13.10), indicando também que esses dons “imperfeitos” (mencionados nos v. 8 e 9) estarão em operação até que Cristo retorne, quando eles haverão de ser substituídos por algo muito maior. De fato, o derramamento do Espírito Santo com “poder” no Pentecoste (At 1.8) era para equipar a igreja para pregar o evangelho (At 1.8) — algo que continuará até que Cristo retorne. E Paulo lembra aos crentes que no uso que eles fazem dos dons espirituais devem procurar “crescer naqueles que trazem a edificação para a igreja” (lCo 14.12).
Mas os dons espirituais não somente equipam a igreja para o tempo do retorno de Cristo, eles também antecipam a era por vir. Paulo lembra aos coríntios que eles foram “enriquecidos em toda a sua linguagem e em todo o seu conhecimento, e que o resultado desse enriquecimento era que eles não tinham falta de nenhum dom (lCo 1.5,7). Exatamente como o próprio Espírito Santo aparece nesta época como a garantia do pagamento inicial — o selo (2Co 1.22; cf. 2Co 5.5; Ef 1.14), que é o começo de uma obra sua dentro de nós mais plena no futuro, assim os dons que o Espírito Santo nos dá são uma amostra de uma obra mais plena que ele fará e que será nossa no tempo que ainda vai chegar.
Desse modo, os dons de discernimento prefiguram um discernimento muito maior que teremos no tempo do retorno de Cristo. Os dons de conhecimento e sabedoria prefiguram uma sabedoria muito maior que será nossa quando conhecermos “plenamente, da mesma forma como [somos] plenamente [conhecidos]” (cf. lCo 13.12). Os dons de cura dão uma antevisão da saúde perfeita que será nossa quando Cristo nos conceder os corpos ressuscitados. Paralelos similares poderão ser encontrados em relação a todos os dons do NT. Mesmo a diversidade de dons deve conduzir à unidade e à interdependência maiores na igreja (v. lCo 12.12,13,24,25; Ef 4.l3), e essa diversidade na unidade será em si mesma o prenúncio da unidade que os crentes terão no céu.

3. Quantos dons há? As cartas do NT mencionam dons espirituais específicos em seis passagens diferentes. - 3
3. Considere a seguinte tabela:

1Coríntios 12.28
(2) profecia
19. liderança
1. apóstolo - 4
12. discernimento de espíritos
20. misericórdia
2. profeta
(8) línguas
lCormtios 7.7
3. mestre
13. interpretação de línguas
21. Casamento
4. milagres
Efésios 4.11 - 5
22. Celibato
5. dons de curar
(1) apóstolo
1 Pedro 4.11
6. prestar ajuda
(2) profeta
Seja quem for que fale (compreendendo vários dons)
7. administração
14. evangelista
sejam quer for que sirva (compreendendo vários dons)
8. línguas
15. pastor-mestre

lCoríntios 12.8-10
Romanos 12.6-8

9. palavra de sabedoria
(2) profecia

10. palavra de conhecimento
16. serviço

11. fé
(3) ensino

(5) dons de curar
17. dar ânimo

(4) milagres
18. contribuição

3 - Algumas listas incluem tanto os ofícios como os dons.
4 - Estritamente falando, ser apóstolo é um ofício, não um dom.
5 - Esta lista fornece quatro tipos de pessoas em termos de ofícios ou funções e não, estritamente falando, quatro dons. Para três das funções desta lista, os dons correspondentes seriam profecia, evangelização e ensino.
O que é óbvio é que essas listas são todas totalmente diferentes. Nenhuma lista tem todos os dons, e nenhum dom é mencionado em todas as listas. De fato, lCoríntios 7.7 menciona dois dons que não estão nas outras listas, no contexto do casamento e do celibato, Paulo diz: “cada um tem o seu próprio dom da parte de Deus; um de um modo, outro de outro”.
Esses fatos indicam que Paulo não estava tentando construir listas exaustivas de dons quando especificou alguns deles. Embora haja às vezes a indicação de alguma ordem (ele coloca apóstolos em primeiro lugar, depois profetas, mestres em terceiro, mas línguas em último em lCo 12.28), parece que em geral Paulo estava quase casualmente listando séries de exemplos diferentes de dons à medida que eles vinham à sua mente.
Além disso, há algum grau de sobreposição entre os dons listados em vários lugares. Sem dúvida o dom de administração (kybernёsis, lCo 12.28) é similar ao dom de presidência (ho proistamenos, Rm 12.8), e ambos os termos poderiam provavelmente ser aplicados a muitos que possuem o oficio de pastor-mestre (Ef 4.11). Ademais, em alguns casos Paulo lista uma atividade e em outros casos lista o substantivo relacionado que descreve a pessoa (como “dom de profetizar” em Rm 12.6 e em lCo 12.10, mas ”profetas”em lCo 12.28 e Ef4.1 1).
Quantos dons diferentes temos então? Simplesmente depende do quanto queremos ser específicos. Podemos fazer uma lista muito pequena de somente dois dons, como Pedro faz em lPedro 4.1 1:”Se alguém fala, faça-o como quem transmite a palavra de Deus. Se alguém serve, faça-o com a força que Deus provê”. Nessa lista de somente dois itens, Pedro inclui todos os dons mencionados em qualquer outra lista porque todos eles se encaixam em uma dessas duas categorias. Outras classificações de dons incluem dons de conhecimento (como discernimento de espíritos, palavra da sabedoria, e palavra de conhecimento), dons de poder (como milagres, curas e fé) e dons de falar (línguas, interpretação e profecia). E poderíamos ainda fazer uma lista muito mais longa, como a lista de 22 dons enumerados anteriormente.
A questão central em tudo isso é simplesmente dizer que Deus dá à igreja uma variedade espantosa de dons espirituais, e eles todos são sinais de sua graça múltipla. De fato, Pedro diz:
“Cada um exerça o dom que recebeu para servir os outros, administrando fielmente a graça de Deus em suas múltiplas formas” (1 Pe 4.10; a expressão “múltiplas formas” é poikilos, que signifi­ca “ter muitas facetas ou aspectos; ter rica diversidade”).
O resultado prático desta discussão é que devemos ter o desejo de reconhecer e apreciar as pessoas que têm dons que diferem dos nossos e de nossas expectativas do que certos dons deveriam representar. Ademais, uma igreja sadia terá uma grande diversidade de dons, e essa diversidade não deve conduzir à fragmentação, mas à unidade maior entre os crentes na igreja. O argumento integral de Paulo na analogia do corpo com muitos membros (lCo 12.12-26) é dizer que Deus colocou-nos no corpo com essas diferenças de modo que pudéssemos depender uns dos outros. “O olho não pode dizer à mão: ‘Não preciso de você!’ Nem a cabeça pode dizer aos pés: ‘Não preciso de vocês!’ Ao contrário, os membros do corpo que parecem mais fracos são indispensáveis” (lCo 12.21,22; cf.v.4-6).
[O termo grego para ”dom” aqui é charisma, o mesmo termo que Paulo usa em lCoríntios 12—14  quando fala a respeito de dons espirituais.]

************************************************************************************************
4. Dons podem variar em intensidade.
Paulo diz que, se alguém tem o dom de profecia, deve usá-lo “na proporção da sua fé” (Rm 12.6), indicando que o dom pode ser mais ou menos intensamente desenvolvido em diferentes indivíduos ou no mesmo indivíduo durante um período de tempo. Essa é a razão pela qual Paulo pode lembrar a Timóteo: ”Não negligencie o dom que lhe foi dado” (lTm 4.14) e pode dizer: “torno a lembrar-lhe que mantenha viva a chama do dom de Deus que está em você” (2Tm 1.6). Era possível Timóteo permitir que seu dom se enfraquecesse, aparentemente pelo pouco uso, e Paulo procura lembrá-lo de reavivar o dom pelo uso para com isso fortalecê-lo. Isso não nos deveria surpreender, pois percebemos que muitos dons aumentam em força e em eficácia à medida que são usados, seja evangelismo, ensino, exortação, administração ou fé.
Textos como os que vimos indicam que os dons espirituais podem variar em intensidade. Se pensarmos em qualquer dom, seja de ensino ou de evangelismo de um lado, ou profecia e curas de outro, devemos perceber que dentro de qualquer congregação provavelmente haverá pessoas que são muito eficazes no uso desse dom, talvez pelo longo uso e experiência, outros que atuam moderadamente nesse dom, e outros que provavelmente têm o dom, mas estão apenas começando a usá-lo. Essa variação em intensidade nos dons espirituais depende de uma combinação da influência divina e humana. A influência divina é a operação soberana do Espírito Santo, que ele “distribui individualmente, a cada um, como quer” (lCo 12.11). A influência humana vem da experiência, treino, sabedoria e capacidade natural no uso de um dom. Geralmente não é possível saber em que proporção as influências divina e humana combinam em determinado momento, nem é realmente necessário saber, pois mesmo as capacidades que pensamos ser naturais procedem de Deus (lCo 4.7) e estão debaixo do seu controle soberano.
Mas isso conduz a uma pergunta interessante: Quanta força uma capacidade deve demonstrar antes de ser chamada dom espiritual? De quanta capacidade para o ensino uma pessoa precisa para se dizer que ela tem o dom do ensino, por exemplo? Ou até que ponto um indivíduo deve ser eficaz na evangelização antes de reconhecermos que ele tem o dom de evangelização? Ou com quanta freqüência alguém teria de ver suas orações por cura serem respondidas antes do reconhecimento de que tem o dom de cura?
A Escritura não responde diretamente a essa pergunta, mas o fato de que Paulo fala desses dons como úteis para a edificação da igreja (lCo 14.12) e o fato de que Pedro igualmente diz que cada pessoa que recebeu um dom deveria lembrar-se de empregá-lo para “servir os outros” (1 Pe 4.10) sugerem que tanto Paulo como Pedro pensaram nos dons como capacidades que eram fortes o suficiente para funcionar em benefício da igreja, seja para a congregação reunida (como em profecia ou ensino), seja para indivíduos na congregação (como prestar ajuda ou exortação). Provavelmente nenhuma linha definida pode ser traçada nesse assunto, mas Paulo nos relembra de que ninguém possui todos os dons nem ninguém fica sem algum dom. Ele é muito claro quanto a isso, e um conjunto de perguntas tem uma resposta “não” em cada uma delas: “São todos apóstolos? São todos profetas? São todos mestres? Têm todos o dom de realizar milagres? Têm todos dons de curar? Falam todos em línguas? Todos interpretam?” (lCo 12.29,30).
O texto grego (com o particípio me antes de cada pergunta) claramente pressupõe a resposta negativa a cada pergunta. Portanto, nem todos são mestres, por exemplo, nem todos possuem dons de cura, nem todos falam em línguas.
Mas embora nem todos tenham o dom de ensino, é verdade que todos os apóstolos “ensinam” em algum sentido da palavra ensinar. Mesmo as pessoas que nunca sonharam ensinar em uma classe de escola dominical vão ler histórias bíblicas para os seus próprios filhos e explicar o significado delas —de fato, Moisés ordenou aos israelitas que fizessem isso com seus filhos (Dt 6.7), explicando-lhes as palavras de Deus à medida que se assentavam em sua casa ou andavam pelo caminho. Assim, por um lado devemos dizer que nem todos têm o dom de ensino. Mas, por outro lado, devemos dizer que há uma capacidade geral relacionada ao dom de ensino que todos os cristãos possuem. Outro modo de expressar isso seria dizer que não há nenhum dom espiritual que todos os crentes tenham, todavia há uma capacidade geral similar a cada dom que todos os cristãos possuem.
Podemos ver isso com muitos dons. Nem todos os cristãos têm o dom de ser evangelistas, mas todos os cristãos têm a capacidade de compartilhar o evangelho com seus vizinhos. Nem todos os cristãos têm dons de cura, mas ainda assim cada cristão pode orar e realmente ora a Deus pela cura de amigos ou parentes que estão doentes.
Podemos até dizer que outros dons, como profecia, não somente variam em intensidade entre os que possuem o dom, mas também encontram um complemento em algumas capacidades gerais que são encontradas na vida de cada cristão. Por exemplo, se entendemos profecia (de acordo com a definição dada no capítulo 30) como “relatar algo que Deus traz à mente”, então é verdade que nem todo mundo experimenta isso como dom, pois nem todos experimentam Deus trazendo coisas espontaneamente à mente com tal clareza e força que a pessoa se sente livre para falar a respeito delas em um grupo de cristãos. Mas provavelmente todo crente teve uma vez ou outra a percepção de que Deus lhe estava trazendo à mente a necessidade de orar por um amigo distante, ou escrever, ou telefonar para dizer uma palavra de encorajamento a alguém distante, e mais tarde verificou que isso era exatamente o que aquela pessoa estava precisando naquele momento. Poucos haveriam de negar que Deus soberanamente lhes trouxe aquela necessidade à mente de modo espontâneo e, embora isso não seja chamado de dom de profecia, é uma capacidade geral de receber uma direção ou orientação especial de Deus que é semelhante ao que acontece no dom de profecia, mas que funciona em um nível mais fraco.
O ponto central dessa discussão toda é simplesmente dizer que os dons espirituais não são tão misteriosos e “coisas do outro mundo” como as pessoas costumam pensar. Muitos deles são intensificações ou exemplos de fenômenos altamente desenvolvidos que muitos cristãos experimentam em sua vida. Outra conclusão importante a ser tirada dessa discussão é que, muito embora tenhamos recebido dons de Deus, somos ainda responsáveis por usá-los eficazmente e desenvolvê-los, para que a igreja possa receber mais benefícios dos dons dos quais Deus permitiu que fôssemos mordomos.
************************************************************************************************
5. Descobrindo e procurando dons espirituais.
Paulo parece presumir que os crentes saberão quais são os seus dons espirituais. Ele simplesmente diz aos da igreja de Roma para usarem os seus dons espirituais de vários modos: “Temos diferentes dons, de acordo com a graça que nos foi dada. Se alguém tem o dom de profetizar, use-o na proporção da sua fé. Se o seu dom é servir, sirva; se é ensinar, ensine; se é dar ânimo, que assim faça; se é contribuir, que contribua generosamente; se é exercer liderança, que a exerça com zelo; se é mostrar misericórdia, que o faça com alegria” (Rm 12.6-8). Semelhantemente, Pedro diz a seus leitores como usar seus dons, mas não diz nada a respeito de descobrir quais são eles: “Cada um exerça o dom que recebeu para servir os outros, administrando fielmente a graça de Deus em suas múltiplas formas” (lPe 4.10).
Mas o que acontece se muitos membros na igreja não sabem quais são os dons espirituais que Deus lhes deu? Em tal caso, os líderes da igreja precisam perguntar se estão proporcionando oportunidades suficientes para as variedades de dons serem usados. Embora as listas de dons dadas no NT não esgotem a questão, elas certamente proporcionam um bom ponto de partida para as igrejas perguntarem se ao menos há oportunidade para esses dons serem usados. Se Deus colocou pessoas com certos dons em uma igreja, quando esses dons não são encorajados ou quem sabe não permitidos, elas se sentirão frustradas e não cumprirão os seus ministérios cristãos, e talvez se mudem para outra igreja onde seus dons possam ser usados para o benefício da igreja.
Além da questão de descobrir quais dons uma pessoa tem, existe a questão da busca de dons adicionais. Paulo ordena aos cristãos: ”Entretanto, busquem com dedicação os melhores dons”(lCo 12.3l). Mais adiante, diz: “Sigam o caminho do amor e busquem com dedicação os dons espirituais, principalmente o dom de profecia” (lCo 14.1). Nesse contexto, Paulo define o que quer dizer com “melhores dons”, porque em lCoríntios 14.5 ele repete a palavra que usou em 12.31 para “melhores” (gr. meizõn) quando diz que quem “profetiza é maior do que aquele que fala em línguas, a não ser que as interprete, para que a igreja seja edificada” (lCo 14.5).Aqui os dons “melhores” são aqueles que mais edificam a igreja. Isso está de acordo com a afirmação de Paulo poucos versículos mais adiante, quando diz: “Visto que estão ansiosos por terem dons espirituais, procurem crescer naqueles que trazem a edificação para a igreja” (lCo 14.12). Os dons melhores são os que mais edificam a igreja e que trazem mais beneficio para os outros.
Mas como procurar mais dons espirituais? Primeiro, devemos pedir a Deus por eles. Paulo diz diretamente que “quem fala em uma língua, ore para que a possa interpretar” (lCo 14.13; cf. Tg 1.5, onde Tiago diz às pessoas que elas devem pedir a Deus sabedoria). A seguir, pessoas que procuram dons espirituais adicionais devem apresentar os motivos corretos. Se os dons espirituais são buscados somente para que a pessoa possa ser mais proeminente ou ter mais influência e poder, isso certamente está errado aos olhos de Deus. Essa era a motivação de Simão, o mago, em Atos 8.19, quando ele disse: “Dêem-me também este poder, para que a pessoa sobre quem eu puser as mãos receba o Espírito Santo” (v. repreensão de Pedro nos v. 21 e 22). É algo temerário querer dons espirituais ou proeminência na igreja somente para a nossa glória, não para a glória de Deus e para o socorro de outros. Portanto, os que procuram dons espirituais devem primeiro perguntar se a si mesmos se os estão procurando por amor a outros e com a preocupação de ser capazes de ministrar às necessidades deles, porque os que possuem grandes dons espirituais mas não têm amor nada representam à vista de Deus (cf. lCo 13.1-3).
Dentro desses parâmetros, é apropriado procurar oportunidades para exercer o dom, exatamente como no caso da pessoa que tenta descobrir seu dom, como explicado anteriormente.
Finalmente, os que estão procurando dons espirituais adicionais devem continuar a usar os dons que já sabem que possuem e ficar contentes se Deus resolve não lhes dar mais dons. O senhor aprovou o servo que fez render dez vezes mais a mina, mas condenou o que a conservou “guardada num pedaço de pano” (Lc 19.16,17,20-23) — certamente mostrando-nos que temos a responsabilidade de usar e tentar aumentar os talentos e habilidades que Deus nos deu como seus mordomos. Devemos equilibrar isso lembrando que os dons espirituais são distribuídos a cada pessoa individualmente pelo Espírito Santo “como ele quer”(lCo 12.11) e que “Deus dispôs cada um dos membros no corpo, segundo a sua vontade” (lCo 12.18). Desse modo, Paulo recorda aos coríntios que, em última análise, a distribuição dos dons é um assunto da soberania divina: é para o bem da igreja e para o nosso bem que nenhum de nós tem todos os dons, e precisamos continuamente depender de outros que possuem dons diferentes dos nossos. Essas considerações devem contentar-nos quando Deus decidir não nos dar os outros dons que procuramos.
*-**********************************************************************************************
B. Alguns dons cessaram?
No mundo evangélico de hoje há posições diferentes com respeito a esta pergunta: “Todos os dons mencionados no NT são válidos para o uso na igreja hoje?”. Alguns dizem sim. Outros diriam não, e argumentariam que alguns dos dons mais miraculosos (como profecia, línguas e interpretação, e talvez curas e expulsão de demônios) foram dados somente no tempo dos apóstolos, como “sinais” para autenticar a pregação primitiva do evangelho. Eles afirmam primeiramente que esses dons não são mais necessários como sinais hoje e que cessaram no fim da era apostólica, provavelmente no final do século I ou no começo do século II d.C.
Devemos também compreender que há um grande grupo “intermediário” com respeito a esse assunto, um grupo das “principais correntes evangélicas” que não é carismático nem pentecostal de um lado, nem “cessacionista” de outro, mas estão simplesmente indecisos e incertos se essa questão pode ser decidida com informações da Escritura.
[A palavra cessacionista significa alguém que pensa que certos dons espirituais miraculosos cessaram muito tempo atrás, quando os apóstolos morreram e a Escritura tornou-se completa.]
Muitos aspectos desse debate centralizam-se sobre o significado de lCoríntios 13.8-13, onde Paulo diz:
O amor nunca perece; mas as profecias desaparecerão, as línguas cessarão, o conhecimento passará. Pois em parte conhecemos e em parte profetizamos; quando, porém, vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá. Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Quando me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino. Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente conhecido.Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor (lCo 13.8-13).

1. lCoríntios 13.8-13 nos diz quando os dons miraculosos cessarão?
O propósito dessa passagem é mostrar que o amor é superior aos dons como profecia porque os dons passarão, mas o amor nunca passará. Devemos entender “o que é imperfeito” no versículo 10 como incluindo não somente a profecia, mas igualmente outros dons como “línguas” e “conhecimento”, haja vista que estes são mencionados no versículo 8 como coisas que passarão. O ponto-chave é saber o tempo que a palavra “quando” indica no versículo 10: “quando, porém, vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá”. Alguns que sustentam que esses dons cessaram crêem que essa frase se refere ao tempo anterior à época do retorno do Senhor, como o tempo “quando a igreja está madura” ou “quando a Escritura está completa”. Contudo, o significado do versículo 12 parece exigir que essa frase se refira ao tempo do retorno do Senhor. A frase “veremos face a face” é usada diversas vezes no AT para se referir a ver Deus pessoalmente’ — não plena ou exaustivamente, porque nenhuma criatura finita pode fazer isso, mas ainda assim de modo pessoal e verdadeiro. Assim, quando Paulo diz “veremos face a face”, ele claramente quer dizer “veremos Deus face a face”. De fato, essa será a maior bênção do céu e a nossa maior alegria por toda a eternidade (Ap 22.4: “Verão a sua face, e o seu nome estará em suas testas”). Esse evento poderá acontecer somente quando o Senhor retornar. Além disso, a segunda metade do versículo 12 diz: “Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente conhecido”. Paulo não espera possuir um conhecimento infinito, mas sim, quando o Senhor retornar, ele espera ser liberto dos falsos conceitos e das incapacidades de entender (especialmente de entender Deus e sua obra) que são parte desta vida presente. O seu conhecimento vai recordar o conhecimento atual que Deus tem dele porque não conterá nenhuma impressão falsa e não será limitado ao que é capaz de ser percebido neste presente tempo. Mas tal conhecimento ocorrerá somente quando o Senhor retornar.
Esse é o tempo ao qual o versículo 10 se refere quando diz “quando, porém, vier o que éperfeito, o que é imperfeito desaparecerá”. Quando Cristo retornar, ”o que é imperfeito”, ou modo parcial de adquirir conhecimento a respeito de Deus, passará porque a espécie de conhecimento que teremos na consumação final de todas as coisas fará com que os dons imperfeitos sejam obsoletos. Isso significa, contudo, que até que Cristo retorne tais dons continuarão a existir e serão úteis ao longo de toda a era da igreja, incluindo hoje, e até o dia da segunda vinda de Cristo.
Além disso, essa interpretação parece encaixar-se melhor com o propósito global da passagem. Paulo está tentando enfatizar a grandeza do amor e firmar que o “amor nunca perece (lCo 13.8). Para provar esse ponto, ele argumenta que o amor avançará para além do tempo em que o Senhor retornar, diferentemente dos atuais dons espirituais. Isso se torna um argumento convincente: o amor é tão fundamental para os planos de Deus para o universo que ele durará além da transição desta presente era para a era por vir no retorno de Cristo — ele continuará por toda a eternidade.
Finalmente, uma afirmação mais geral de Paulo a respeito do propósito dos dons espirituais na era do NT dá suporte a essa interpretação. Em lCoríntios 1.7 Paulo liga a posse dos dons espirituais (gr., charismata) à atividade de esperar pelo retorno do Senhor: “De modo que não lhes falta nenhum dom espiritual, enquanto vocês esperam que o nosso Senhor Jesus Cristo seja revelado”. Isso sugere que Paulo viu os dons como provisão temporária dada para equipar os crentes para o ministério até que o Senhor retorne. Assim, esse versículo proporciona um paralelo próximo ao pensamento de lCoríntios 13.8-13, onde a profecia e o conhecimento (e sem dúvida línguas) são vistos, semelhantemente, como úteis até o retorno de Cristo, mas desnecessários daquele período em diante.
lCoríntios 13.10, portanto, refere-se ao tempo do retorno de Cristo e afirma que esses dons espirituais durarão entre os crentes até aquele tempo. Isso significa que nós temos uma afirmação bíblica clara de que Paulo esperava que esses dons continuassem por toda a era eclesiástica e funcionassem para o benefício da igreja até o retorno de Cristo.
************************************************************************************************
2. A continuação da profecia hoje desafiaria a suficiência da Escritura?
Alguns que assumem a posição “cessacionista” argumentam que permitir “palavras de Deus” provindo de elocuções proféticas contínuas seria, de fato, acrescentar algo à Escritura ou competir com a Escritura. Em ambos os casos, a suficiência da Escritura em si mesma seria desafiada, e, na prática, sua autoridade singular em nossa vida ficaria comprometida. Contudo, tenho argumentado exaustivamente em outras obras que a profecia congregacional ordinária nas igrejas do NT não possuía a mesma autoridade que a Escritura. Ela não era proferida em vocábulos que eram as verdadeiras palavras de Deus, antes era falada em palavras meramente humanas. E porque ela tem essa autoridade menor, não há razão alguma para pensar que ela não continuará na igreja até que Cristo retorne. Ela não ameaça nem compete com a Escritura em autoridade, mas está sujeita à Escritura, assim como ao julgamento maduro da congregação.
Outra objeção é por vezes levantada a esta altura. Alguns vão argumentar que, mesmo que quem usa o dom de profecia hoje diga que ela não é igual à Escritura em autoridade, ela de fato funciona na vida deles competindo com as Escrituras ou até para substituindo-as na orientação com respeito à vontade de Deus. Assim, a profecia hoje, segundo dizem, desafia a doutrina da suficiência da Escritura para a orientação em nossa vida.
Aqui deve-se admitir que muitos erros têm sido cometidos na história da igreja. Mas nessa discussão a questão deve ser: Os abusos são necessários para o funcionamento do dom de profecia? Se tivermos de argumentar que os erros e abusos de um dom invalidam o dom em si mesmo, então teremos de rejeitar o ensino da Bíblia (pois muitos mestres de Bíblia têm ensinado erros e iniciado seitas) bem como a administração da igreja (pois muitos líderes de igreja têm contribuído para o desvio de pessoas), e assim por diante. O abuso de um dom não significa que devamos proibir o uso devido do dom, a menos que possa ser demonstrado que é impossível haver um uso adequado dele — que todo uso tem de ser um abuso.

3. Os dons miraculosos somente acompanharam o surgimento da nova Escritura? Outra objeção é dizer que os dons miraculosos acompanharam o surgimento da Escritura, e, já que não há nenhuma nova Escritura concedida em nossos dias, não devemos esperar novos milagres hoje.
Em resposta a essa tese deve ser dito que esse não é o único nem mesmo o maior propósito dos dons miraculosos. Os milagres têm outros propósitos na Escritura: 1) autenticam a mensagem do evangelho por toda a era da igreja; 2) prestam ajuda aos que estão necessitados, e, com isso, demonstram a misericórdia e o amor de Deus; 3) equipam as pessoas para o ministério; e 4) glorificam a Deus.
Devemos também observar que nem todos os milagres acompanham a concessão de uma Escritura adicional. Por exemplo, tanto o ministério de Elias como o de Eliseu foram marcados por diversos milagres no AT, mas eles não escreveram nenhum livro nem nenhuma seção da Bíblia. No NT, houve muitas ocorrências de milagres que não foram acompanhados pela concessão da Escritura. No livro de Atos, tanto Estevão como Filipe operaram milagres, mas não escreveram nenhuma Escritura. Houve profetas que não escreveram nenhuma Escritura em Cesaréia (At 21.4) e Tiro (At 21.9-11), em Roma (Rm 12.6) e em Tessalônica (lTs 5.20,21), em Éfeso (Ef :1 4.11) e nas comunidades às quais lJoão foi escrita (lJo 4.1-6). Houve aparentemente muitos milagres nas igrejas da Galácia (Gl 3.5). E Tiago espera que a cura ocorra pelas mãos dos presbíteros em todas as igrejas às quais escreve (v. Tg 5.14-16).

4. É perigoso uma igreja admitir a possibilidade de dons miraculosos hoje?
A objeção final proposta pela posição cessacionista é dizer que uma igreja que enfatiza o uso dos dons miraculosos está em perigo de cair em desequilíbrio e provavelmente negligenciara outras coisas importantes como evangelização, sã doutrina e a pureza moral de vida.
Dizer que o uso de dons miraculosos é “perigoso” não é em si mesma uma crítica adequada, porque há coisas corretas que são perigosas, ao menos em algum sentido. A obra missionária é perigosa. Dirigir um carro é perigoso. Se definirmos perigoso como significando “algo que pode dar errado”, então podemos criticar qualquer coisa que alguém possa fazer como “perigosa”, e a crítica assume múltiplos propósitos quando não há nenhum abuso específico a apontar. Uma abordagem melhor com respeito aos dons espirituais seria perguntar: “Eles estão sendo usados de acordo com a Escritura?” e “Os passos dados para se guardar contra os perigos do abuso são adequados?”.
Naturalmente é verdade que igrejas podem tornar-se desequilibradas, e algumas de fato se tornaram. Mas nem todas são assim, nem precisam ser. Ademais, visto que esse argumento é baseado em resultados reais da vida de uma igreja, também é apropriado perguntar: “Que igrejas no mundo têm hoje em dia a evangelização mais eficaz? Quais apresentam maior contribuição sacrificial entre seus membros? Quais, de fato, dão a maior ênfase em pureza de vida? Quais têm o amor mais profundo pelo Senhor e por sua Palavra?”. Embora seja difícil responder a essas perguntas claramente, não creio que possamos dizer com justiça que as igrejas dos movimentos carismático e pentecostal são mais fracas nessas áreas que outras igrejas evangélicas. De fato, em alguns casos elas podem ser até mais fortes nessas áreas. A questão é que qualquer argumento que diga que as igrejas que enfatizam os dons miraculosos se tornarão desequilibradas simplesmente não é provado na prática.

5. Nota final: cessacionistas e carismáticos precisam uns dos outros.
Finalmente, pode-se argumentar que os do lado carismático e pentecostal e os do lado cessacionista (especialmente os reformados e os cristãos dispensacionalistas) realmente precisam uns dos outros e fariam bem se desenvolvessem maior apreciação mútua. Os primeiros tendem a ter mais experiência prática no uso dos dons espirituais e na vitalidade na adoração, áreas em que os cessacionistas poderão se beneficiar mais, caso estiverem desejosos de aprender. Por outro lado, os reformados e grupos dispensacionalistas tradicionalmente são muito fortes no entendimento da sã doutrina, na profundidade e no entendimento preciso dos ensinos da Escritura. Os grupos carismático e pentecostal poderão aprender muito com eles, se estiverem desejosos disso. Mas certamente não é útil para a igreja como um todo, de ambos os lados, crer que eles não possam aprender nada uns com os outros ou que eles não possam obter nenhum benefício da comunhão uns com os outros.

Teologia Sistemática.
Wayne Grudem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...