quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013









A natureza da igreja

Como reconhecer uma verdadeira igreja?
Quais são os propósitos da igreja?
O que torna uma igreja mais ou menos agradável a Deus?


EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA

A natureza da igreja
A Definição: A igreja é a comunidade de todos os verdadeiros crentes em todas as épocas. Essa definição entende que a igreja seja composta de todos os que são verdadeiramente salvos. Paulo diz que “Cristo amou a igreja e entregou-se por ela” (Ef 5.25). Aqui a palavra “igreja” aplica-se a todos aqueles por quem Cristo morreu a fim de redimi-los, todos os que são salvos pela morte de Cristo. Mas ela deve incluir todos os verdadeiros crentes de todas as épocas, tanto do período do NT como do período do AT. É tão grande o plano de Deus para a igreja que ele exaltou Cristo a uma posição elevada de autoridade por amor à sua igreja: “Deus colocou todas as coisas debaixo de seus pés e o designou cabeça de todas as coisas para a igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que enche todas as coisas, em toda e qualquer circunstância” (Ef 1.22,23).
O próprio Jesus Cristo edifica sua igreja chamando para si o seu povo. Ele prometeu: ”edificarei a minha igreja” (Mt 16.18). Mas esse processo pelo qual Cristo edifica a igreja é apenas a continuação do padrão estabelecido por Deus no AT, quando ele chamou pessoas para si mesmo para serem uma assembléia adoradora perante ele. Há diversas indicações no AT de que Deus viu seu povo como “igreja”, o povo reunido com o propósito de adorá-lo. Quando Moises diz ao povo que o Senhor lhe havia dito: “Reúna o povo diante de mim para ouvir as minhas palavras, a fim de que aprendam a me temer enquanto viverem sobre a terra, e as ensinem a seu filhos” (Dt 4.10), a LXX traduz a palavra “reunir” (heb. q ¯ ahal) usando o termo grego ekkl¯ esiaz ¯o, que significa “convocar uma assembléia”, um verbo que é cognato do substantivo grego do NT ekkl¯ esia, “igreja”
Não é de surpreender que os autores do NT falem do povo de Israel do AT como “igreja” (ekklēsia). Por exemplo, Estêvão fala do povo de Israel no deserto como “a igreja (ekklēsia) no desertor (At 7.38, tradução do autor). Da mesma forma o autor de Hebreus cita Cristo referindo-se a ele como quem haveria de louvar a Deus no meio da grande assembléia do povo de Deus no céu: “Proclamarei o teu nome a meus irmãos; na igreja (ekklēsia) te louvarei” (Hb 2.12, tradução do autor; o escritor de Hebreus está citando SL 22.22).
Portanto, o autor de Hebreus entende que os cristãos do tempo presente que constituem a igreja sobre a terra estão cercados por uma grande ”nuvem de testemunhas” (Hb 12.1) que abrange retroativamente as épocas do AT, incluindo Abel, Enoque, Noé, Abraão, Sara, Gideão, Baraque, Sansão, Jefté, Davi, Samuel e os profetas (Hb 11.4-32). Todas essas “testemunhas” rodeiam o povo de Deus do tempo presente, e parece apropriado pensar que elas, juntamente com o povo de Deus do NT, sejam a grande “assembléia” espiritual de Deus, ou seja, a “igreja”   Portanto, muito embora haja certamente novos privilégios e novas bênçãos conferidas ao povo de Deus no NT, ambos os usos do termo igreja na Escritura e o fato de que por meio de toda a Escritura Deus sempre chamou seu povo para reunir-se para a adoração do seu nome indicam que é correto entender que a igreja é constituída de todo o povo de Deus de todas as épocas, tanto dos crentes do AT como do NT.

2. A igreja é invisível, todavia visível. Em sua verdadeira realidade espiritual como a comunhão de todos os crentes genuínos, a igreja é invisível. Isso porque não podemos ver a condição espiritual do coração das pessoas. Podemos ver exteriormente os que freqüentam a igreja e observar evidências exteriores de mudanças espirituais interiores, mas realmente não podemos olhar para o coração das pessoas e ver o estado espiritual delas — somente Deus pode fazer isso. É por isso que Paulo diz: “O Senhor conhece quem lhe pertence” (2Tm 2.19). Em nossas igrejas e em nossa vizinhança, somente Deus sabe com certeza (sem margem de erro) quem são os verdadeiramente crentes. Falando da igreja como invisível, o autor de Hebreus refere-se à igreja dos primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus” (Hb 12.23) e diz que os cristãos do tempo presente se juntam a essa assembléia em adoração.
Podemos dar a seguinte definição: A igreja invisível é a igreja como Deus a vê. Tanto Martinho Lutero como João Calvino foram enfáticos em afirmar esse aspecto invisível da igreja contra o ensino de que a Igreja Católica Romana era a única organização visível que descendia dos apóstolos em linhagem ininterrupta de sucessão (por meio dos bispos da igreja). A Igreja Católica Romana argumentava que somente em sua organização visível poderíamos encontrar a verdadeira igreja, a única igreja verdadeira. Mesmo hoje tal pensamento é sustentado pela Igreja Católica Romana. Tanto Lutero como Calvino discordaram dessa idéia, asseverando que a Igreja Católica Romana possuía uma forma exterior, uma organização, mas que isso era apenas uma casca. Calvino argumentou que exatamente como Caifás (o sumo sacerdote do tempo de Jesus) descendia de Arão, mas não era um verdadeiro sacerdote, assim os bispos católicos romanos “descendiam” dos apóstolos segundo a linhagem de sucessão, mas não eram verdadeiros bispos da igreja de Cristo, pois haviam se desviado da verdadeira pregação do evangelho. Logo, sua organização visível não era a verdadeira igreja.
A verdadeira igreja de Cristo, no entanto, certamente também possui um aspecto visível. Podemos usar a seguinte definição: A igreja visível é a igreja como os cristãos a vêem. Nesse sentido, a igreja visível inclui todos os que professam a fé em Cristo e dão evidência dessa fé em sua vida.
Nessa definição, não estamos dizendo que a igreja visível é a igreja que qualquer pessoa no mundo (como um descrente ou alguém que sustenta ensinos heréticos) pode ver, mas estamos falando da igreja como ela é percebida por aqueles que são crentes genuínos e que têm um entendimento da diferença entre crentes e descrentes.
A igreja visível espalhada por todo o mundo sempre incluirá alguns descrentes, e as congregações individuais normalmente incluirão alguns descrentes, porque não podemos ver o coração como Deus vê. Paulo fala de Himeneu e Fileto: “O ensino deles alastra-se como câncer [...] Estes se desviaram da verdade li.] a alguns pervertem a fé” (2Tm 2.17,18). Mas ele está confiante de que “o Senhor conhece quem lhe pertence” (2Tm 2.19). Semelhantemente, Paulo adverte os presbíteros de Éfeso: “Sei que, depois da minha partida, lobos ferozes penetrarão no meio de vocês e não pouparão o rebanho. E dentre vocês mesmos se levantarão homens que torcerão a verdade, a fim de atrair os discípulos” (At 20.29,30). O próprio Jesus advertiu: “Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm a vocês vestidos de peles de ovelhas, mas por dentro são lobos devoradores. Vocês os reconhecerão por seus frutos” (Mt 7.15,16). Percebendo essa distinção entre a igreja invisível e a visível, Agostinho disse da igreja visível: “Muitas são as ovelhas do lado de fora, muitos os lobos do lado de dentro”.
Quando reconhecemos que há descrentes na igreja visível, há o perigo de nos tornarmos demasiadamente desconfiados e de começarmos a duvidar da salvação de muitos crentes verdadeiros. Calvino advertiu contra esse perigo dizendo que devemos fazer um “juízo de afeição” pelo qual reconhecemos como membros da igreja todos os que “pela confissão de fé, e pelo exemplo de vida, e pela participação dos sacramentos, conosco professam o mesmo Deus e Cristo”. Devemos tentar não excluir pessoas da comunhão da igreja até que elas por pecado público tragam disciplina sobre si mesmas. E óbvio, contudo, que a igreja não deveria tolerar em seu rol de membros “descrentes confessos” que, por profissão ou por vida, claramente se declaram fora da verdadeira igreja.



3. A igreja é local e universal. No NT a palavra igreja pode ser aplicada a um grupo de crentes em qualquer nível, desde a reunião de um grupo pequeno em uma casa particular até um grupo de verdadeiros crentes na igreja universal. A comunidade que se reunia nas casas é chamada “igreja” em Romanos 16.5 e lCoríntios 16.19 (“Áqüila e Priscila 1 [...] e também a igreja que se reúne na casa deles”). A igreja que se encontra em uma cidade também é chamada “igreja” (1 Co. 1.2; 2Co 1.1; lTs 1.l).A igreja de uma região é chamada ”igreja” em Atos 9.31:”A igreja passava. por um período de paz em toda a Judéia, Galiléia e Sarnaria”. Finalmente, a igreja por todo o mundo pode ser chamada “igreja”. Paulo diz: “Cristo amou a igreja e entregou-se por ela” (Ef 5.25), e disse ainda: “Na igreja, Deus estabeleceu primeiramente apóstolos; em segundo lugar, profetas; e em terceiro lugar, mestres...” (lCo 12.28). Neste versículo, a menção de “apóstolos”, que não foram dados à igreja individual, garante que a referência seja à igreja universal.
Podemos concluir que o grupo do povo de Deus considerado em qualquer nível desde a igreja local até a universal pode corretamente ser chamado “igreja”. Não devemos cometer o erro de dizer que somente a reunião de pessoas em casas expresse a verdadeira natureza da igreja, ou que somente igreja no nível de uma cidade possa ser corretamente chamada “igreja”,’ ou que somente a igreja universal possa ser corretamente chamada “igreja”. Ao contrário, a comunidade do povo de Deus considerada em qualquer nível pode corretamente ser chamada igreja.

4. Metáforas para a igreja. A fim de nos ajudar no entendimento da natureza da igreja, a Escritura usa uma variedade de imagens para nos descrever a que a igreja se assemelha. Há diversas imagens relacionadas com a família — por exemplo, Paulo vê a igreja como a família maior: “Não repreenda asperamente o homem idoso, mas exorte-o como se ele fosse seu pai; trate os jovens como a irmãos; as mulheres idosas, como a mães; e as moças, como a irmãs, com toda a pureza” (lTm 5.1,2). Deus é o nosso Pai celestial (Ef 3.14), e nós somos seus filhos e filhas, pois Deus nos diz: “Lhes serei Pai, e vocês serão meus filhos e minhas filhas, diz o Senhor todo-poderoso” (2Co 6.18). Somos, portanto, irmãos e irmãs uns dos outros na família de Deus (Mt 12.49,50; lJo 3.14-18). Uma metáfora de família um tanto diferente é vista quando Paulo se refere à igreja como a noiva de Cristo. Ele diz que o relacionamento entre marido e esposa refere-se “a Cristo e à igreja” (Ef 5.32); diz também que ele produziu o compromisso de noivado entre Cristo e a igreja em Corinto e que isso relembra compromisso entre a noiva e aquele que vai ser seu marido: “Eu os prometi a um único marido, Cristo, querendo apresentá-los a ele como uma virgem pura” (2Co 11.2) — aqui Paulo olha com expectativa para o tempo do retorno de Cristo como o tempo em que a igreja será apresentada a ele como sua noiva.
Em outras metáforas, a Escritura compara a igreja aos ramos de uma videira (Jo 15.5), a uma oliveira (Rm 11.17-24),a uma lavoura (lCo 3.6-9),a um edifício (lCo 3.9) e a uma colheita (Mt 13.1-30; lo 4.35). A igreja também é vista como um novo templo, não construído com pedras literais, mas construído com pessoas cristãs que são pedras vivas” (1 Pe 2.5), edificadas sobre a pedra fundamental” que é Cristo Jesus (lPe 2.4-8). Todavia, a igreja não é somente um novo templo para a adoração de Deus; é também um novo corpo de sacerdotes, um “sacerdócio santo” que pode oferecer”sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus”(lPe 2.5). Somos também vistos como casa de Deus (Hb 3.6), sendo o próprio Jesus Cristo visto como o “construtor” da casa (Hb 3.3). A igreja também é vista como “coluna e fundamento da verdade” (lTm 3.15).
Finalmente, outra metáfora familiar vê a igreja como o corpo de Cristo (lCo 12.12-27). Devemos reconhecer que Paulo de fato usa duas metáforas diferentes do corpo humano quando fala da igreja. Aqui em 1 Coríntios 12 o corpo inteiro é tomado como metáfora da igreja, porque Paulo fala do “ouvido”, do “olho” e do “olfato” (1 Co 12.16,17). Nessa metáfora, Cristo não é visto como a cabeça ligada ao corpo, porque os membros individuais são em si mesmos as partes individuais da cabeça. Cristo é nessa metáfora o Senhor que está “fora” desse corpo que representa a igreja e é a quem a igreja serve e adora.
Mas em Efésios 1.22,23; 4.15,16 e em Colossenses 2.19 Paulo usa uma metáfora diferente de corpo para referir-se à igreja. Nessas passagens, Paulo diz que Cristo é o cabeça e a igreja é como o restante do corpo, distinto da cabeça: “Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo. Dele todo o corpo, ajustado e unido pelo auxílio de todas as juntas, cresce edifica-se a si mesmo em amor, na medida em que cada parte realiza a sua função” (Ef 4.15,16). Não devemos confundir essas duas metáforas, a de lCoríntios 12 e a de Efésios 4, mas mantê-las distintas.
A ampla gama de metáforas usada para a igreja no NT deveria nos lembrar de não enfatizar exclusivamente uma delas. A ênfase indevida em uma metáfora com a exclusão de outras certamente resultará em uma perspectiva desequilibrada da igreja. Além disso, cada uma das metáforas usadas para a igreja pode nos ajudar a apreciar mais as riquezas do privilégio que Deus nos deu incorporando-nos na igreja. O fato de que a igreja é como uma família deveria aumentar o nosso amor e comunhão uns com os outros. O pensamento de que a igreja é igual à noiva de Cristo deveria estimular-nos a lutar pela pureza e santidade maiores e também ao amor e submissão maiores a Cristo. A imagem da igreja como ramos da videira deveria levar-nos ao descanso mais pleno em Cristo. Essas são apenas algumas das muitas aplicações que poderiam ser feitas da rica diversidade de metáforas para a igreja usada na Escritura.

A igreja e Israel. Entre os protestantes evangélicos há diferentes perspectivas sobre a questão do relacionamento entre Israel e a igreja. Uma perspectiva é a dispensacionalista. De acordo com ela, Deus tem dois planos distintos para dois grupos diferentes de pessoas que redimiu. Por um lado, os propósitos e as promessas para Israel são bênçãos terrenas, e serão cumpridas nesta terra em algum tempo no futuro. Por outro lado, os propósitos e as promessas para a igreja são bênçãos celestiais, e essas promessas serão cumpridas no céu. Essa distinção entre os dois grupos diferentes que Deus salva será vista especialmente no milênio, pois naquele tempo Israel reinará sobre a terra como o povo de Deus e desfrutará o cumprimento das promessas do AT, mas a igreja a essa altura já terá sido levada para o céu no tempo do retorno secreto de Cristo para os santos (“o arrebatamento”). Nessa perspectiva, a igreja não começou antes do Pentecoste (At 2), e não seria correto pensar nos crentes do AT junto com os crentes do NT constituindo uma igreja.
Diversos líderes entre os dispensacionalistas mais recentes têm modificado muitos desses pontos, referindo-se à sua estrutura teológica como “dispensacionalismo progressivo”. Eles não vêem a igreja como um parêntese no plano de Deus, mas como o primeiro passo em direção ao estabelecimento do Reino de Deus. Há assim um propósito único para Israel e a igreja — o estabelecimento do Reino de Deus — de que ambos, Israel e a igreja, compartilham. Além disso, o dispensacionalismo progressivo não veria distinção alguma entre Israel e a igreja no futuro estado eterno, pois todos serão parte do mesmo povo.
Contudo, há ainda uma diferença entre os dispensacionalistas progressivos e o restante dos evangélicos sobre um ponto: eles diriam que as profecias do AT concernentes a Israel ainda serão cumpridas no milênio pelo povo étnico judeu que crerá em Cristo e que viverá na terra de Israel como “nação-modelo” para a qual todas as nações olhariam e com a qual todas aprenderiam. Portanto, eles não diriam que a igreja é o “novo Israel” ou que todas as profecias do AT a respeito de Israel serão cumpridas na igreja, pois essas profecias ainda serão cumpridas no Israel étnico.
A posição assumida neste livro difere muito das posições dispensacionalistas tradicionais. Contudo, deve ser dito aqui que as questões a respeito do modo exato em que as profecias bíblicas a respeito do futuro serão cumpridas são por natureza difíceis de decidir com segurança, e é sábio ter algumas hesitações em nossas conclusões sobre o assunto. Com isso em mente, pode ser dito o que se segue.
Tanto teólogos protestantes como católicos que estão fora do círculo dispensacionalista têm dito que a igreja inclui tanto crentes do AT como do NT em uma igreja ou um corpo de Cristo. Devemos observar primeiro os muitos versículos do NT que entendem que a igreja seja o “novo Israel” ou o novo “povo de Deus”. O fato de que “Cristo amou a igreja e entregou-se por ela” (Ef 5.25) sugere isso. Ademais, esta era atual da igreja, que tem trazido a salvação a muitos milhões de cristãos, não é uma interrupção ou um parêntese nos planos de Deus, mas a continuação do seu plano expresso por todo o AT chamando pessoas para si. Paulo diz: “Não é judeu quem o é apenas exteriormente, nem é circuncisão a que é meramente exterior e física. Não! Judeu é quem o é interiormente, e circuncisão é a operada no coração, pelo Espírito, e não pela Lei escrita” (Rm 2.28,29). Paulo reconhece que, embora haja um sentido natural ou literal no qual os que descenderam fisicamente de Abraão são chamados judeus, há também um sentido mais profundo ou espiritual no qual o “judeu verdadeiro” é aquele que é interiormente um crente e cujo coração foi purificado por Deus.
Paulo diz que Abraão não deve somente ser considerado o pai do povo judeu em sentido físico. Ele é também no sentido mais profundo e mais verdadeiro “o pai de todos os que crêem, sem terem sido circuncidados [...] e é igualmente o pai dos circuncisos que não somente são circuncisos, mas também andam nos passos da fé que teve nosso pai Abraão antes de passar pela circuncisão” (Rm 4.11,12; cf. v. 16,18). Portanto, Paulo pode dizer: “Não pensemos que a palavra de Deus falhou. Pois nem todos os descendentes de Israel são Israel. Nem por serem descendentes de Abraão passaram todos a ser filhos de Abraão. Ao contrário: ‘Por meio de Isaque a sua descendência será considerada’. Isto é, não são os filhos naturais que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa é que são considerados descendência de Abraão” (Rm 9.6-8). Paulo aqui sugere que os verdadeiros filhos de Abraão — “Israel” no sentido mais verdadeiro não é a nação de Israel por ascendência física de Abraão, mas os que creram em Cristo.
Longe de pensar na igreja como grupo separado do povo judeu, Paulo escreve aos crentes gentios de Éfeso dizendo-lhes que anteriormente eles estavam “sem Cristo, separados da comunidade de Israel, sendo estrangeiros quanto às alianças da promessa, sem esperança e sem Deus no mundo” (Ef2.12),mas que agora eles “foram aproximados mediante o sangue de Cristo” (Ef 2.13).E quando os gentios foram trazidos à igreja, judeus e gentios foram unidos em um só corpo. Paulo diz que Deus “destruiu a barreira, o muro de inimizade, anulando em seu corpo a Lei dos mandamentos expressa em ordenanças. O objetivo dele era criar em si mesmo, dos dois, um novo homem, fazendo a paz, e reconciliar com Deus os dois em um corpo, por meio da cruz, pela qual ele destruiu a inimizade” (Ef 2.14-16). Portanto, Paulo pode dizer que os gentios são “concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, tendo Jesus Cristo como pedra angular”(Ef 2.19,20). Com essa consciência ampla do pano de fundo do AT para a igreja do NT, Paulo pode ainda dizer que “os gentios são co-herdeiros com Israel, membros do mesmo corpo, e co-participantes da promessa em Cristo Jesus” (Ef 3.6). A passagem toda fala fortemente da unidade de crentes judeus e gentios no corpo em Cristo e não dá indicação alguma de qualquer plano distintivo para a salvação do povo judeu independentemente do corpo de Cristo, a igreja. A igreja incorpora em si mesma todo o verdadeiro povo de Deus, e quase todos os títulos usados para o povo de Deus no AT são em um lugar ou outro aplicados à igreja do NT. Esses textos, juntamente com muitos outros, nos dão a segurança de que a igreja se tornou agora o verdadeiro Israel de Deus e vai receber todas as bênçãos prometidas a Israel no AT.

As “marcas” da igreja (características distintivas)

Há igrejas verdadeiras e igrejas falsas. O que realmente torna um grupo de pessoas uma igreja? O que é necessário para haver uma igreja? Será que um grupo de pessoas que alegam ser cristãs pode tornar-se tão diferente do que uma igreja deve ser que ele não mais possa ser chamado igreja?
Embora nos primeiros séculos da igreja cristã houvesse pouca controvérsia a respeito do que seria uma igreja verdadeira, com a Reforma uma questão crucial surgiu: Como podemos reconhecer uma igreja verdadeira? A Igreja Católica Romana é uma igreja verdadeira ou não? Para responder a essa pergunta, as pessoas tiveram de decidir quais eram as “marcas” de uma igreja verdadeira, as características distintas que nos levam a reconhecê-la como igreja verdadeira.
A Escritura certamente fala de igrejas falsas. Paulo fala dos templos pagãos em Corinto: “Quero dizer que o que os pagãos sacrificam é oferecido aos demônios e não a Deus” (lCo 10.20). Ele diz aos coríntios: “Vocês sabem que, quando eram pagãos, de uma forma ou de outra eram fortemente atraídos e levados para os ídolos mudos” (lCo 12.2).Esses templos pagãos eram certamente igrejas ou assembléias religiosas falsas. Ademais, a Escritura pode falar de uma assembléia religiosa que é realmente uma “sinagoga de Satanás” (Ap 2.9; 3.9). Aqui o Senhor ressuscitado parece estar se referindo a assembléias judaicas nas quais as pessoas alegavam ser israelitas, mas não eram verdadeiros israelitas que possuíam a fé salvadora. Suas assembléias religiosas não eram assembléias do povo de Cristo nessa época, mas dos que ainda pertenciam ao reino das trevas, o reino de Satanás. Isso certamente também seria uma igreja falsa.
Em grande medida, havia concordância entre Lutero e Calvino sobre essa questão da constituição da verdadeira igreja.A afirmação de fé luterana, chamada Confissão de Augsburgo (1530), definiu a igreja como “a congregação de todos os crentes, entre os quais o evangelho é pregado puramente e os santos sacramentos são administrados de acordo com o evangelho” (Art. VII). Semelhantemente, João Calvino disse: “Pois, onde quer que vemos a Palavra de Deus ser sinceramente pregada e ouvida, onde [vemos] serem os sacramentos administrados segundo a instituição de Cristo, aí, de modo nenhum se há de contestar, está uma igreja de Deus”. Ainda que haja ligeiras diferenças nessas confissões, o entendimento que eles tiveram das marcas distintivas de uma verdadeira igreja é muito semelhante. Em contraste com a visão de Lutero e de Calvino com respeito às marcas da igreja, a posição da Igreja Católica Romana tem sido que a igreja visível, que descendeu de Pedro e dos apóstolos, é a verdadeira igreja.
Parece apropriado considerar a visão de Lutero e Calvino sobre as marcas da verdadeira igreja como correta ainda hoje. A primeira marca que eles observaram foi a pregação correta da Palavra. Certamente, se a Palavra de Deus não está sendo pregada, mas simplesmente as falsas doutrinas ou as doutrinas humanas, então não há verdadeira igreja. Em alguns casos, podemos ter dificuldade em determinar exatamente quantas doutrinas errôneas podem ser toleradas antes de uma igreja deixar de ser considerada uma verdadeira igreja, mas há casos muito claros em que podemos dizer que uma igreja verdadeira não existe. Por exemplo, a Igreja de Jesus Cristo            dos Santos dos Últimos Dias (mórmon) não sustenta qualquer doutrina fundamental sobre a salvação, sobre a pessoa de Deus ou sobre a pessoa e obra de Jesus. Ela é claramente uma igreja falsa. Semelhantemente, as Testemunhas de Jeová ensinam a salvação pelas obras, não somente pela confiança em Cristo. Isso é um desvio de uma doutrina fundamental, porque, se as pessoas crêem nos ensinos desse grupo, elas simplesmente não serão salvas. Assim, as Testemunhas de Jeová também devem ser consideradas uma igreja falsa. Quando a pregação de uma igreja esconde de seus membros a mensagem do evangelho de salvação somente pela fé, de modo que a mensagem do evangelho não é claramente proclamada e não vem sendo proclamada há algum tempo, esse grupo específico não é realmente uma igreja.
A segunda marca da igreja, a administração correta dos sacramentos (batismo e ceia do Senhor), foi provavelmente afirmada em oposição ao ensino da Igreja Católica Romana de que a graça salvadora vem por meio dos sacramentos e, portanto, os sacramentos tornaram-se “obras” pelas quais nós temos mérito em nossa salvação. Desse modo, a Igreja Católica Romana estava insistindo no pagamento antes que no ensino da fé como o único meio de obter salvação, obscurecendo assim o evangelho. A necessidade de proteger a pureza do evangelho é uma razão para considerar o uso correto dos sacramentos (ou “ordenanças”, como são chamados pelos batistas) como a marca de uma verdadeira igreja.
Mas existe a segunda razão para incluir os sacramentos (ou ordenanças) como marca da igreja. Uma vez que uma organização comece a praticar o batismo e a ceia do Senhor, ela demonstra ser uma organização que continua essas práticas e está tentando funcionar como uma igreja. (Na sociedade moderna, uma organização que comece a se reunir aos domingos pela manhã para a adoração, a oração e para ensinar a Bíblia estará demonstrando claramente que está tentando funcionar como uma igreja.)
Uma terceira razão para incluir o uso correto dos sacramentos (ou ordenanças) é que o batismo e a ceia do Senhor servem como “controle do rol de membros” da igreja. O batismo é o meio de admissão de pessoas em uma igreja, e a ceia do Senhor é o meio de permitir que pessoas dêem um sinal de sua permanência no rol de membros da igreja — isso quer dizer que a igreja considera os que recebem o batismo e a ceia do Senhor como pessoas salvas. Portanto, essas atividades indicam o que uma igreja pensa a respeito da salvação, e elas são devidamente listadas como uma marca da igreja também hoje. Por contraste, os grupos que não administram o batismo e a ceia do Senhor indicam que não pretendem funcionar como uma igreja. Alguém pode permanecer em uma esquina com uma pequena multidão, e haver uma verdadeira pregação, com pessoas ouvindo a Palavra, mas o povo reunido não seria uma igreja. Mesmo um estudo bíblico feito num lar pode ter verdadeiro ensino e pessoas ouvindo a Palavra sem tornar-se uma igreja. Mas se um estudo bíblico em um local começa a batizar os recém-convertidos e eles passam regular-mente a participar da ceia do Senhor, tais atitudes demonstram a intenção de funcionar como uma igreja, portanto seria difícil não considerar esse grupo uma igreja em si mesma.

 Igrejas verdadeiras e falsas hoje. Em razão da questão colocada durante a Reforma, o que dizer a respeito da Igreja Católica Romana hoje? É uma igreja verdadeira? Aqui parece que não podemos simplesmente tomar uma decisão com respeito a ela como um todo porque está hoje muito diversificada. Algumas paróquias católicas certamente carecem de ambas as marcas —há pouca ou nenhuma pregação verdadeira da Palavra, e a mensagem de salvação do evangelho somente pela fé em Cristo não é conhecida ou recebida pelas pessoas. A participação nos sacramentos é vista como uma “obra” que pode alcançar mérito com Deus. Tal grupo de pessoas não é uma verdadeira igreja cristã. Em contrapartida, há atualmente muitas paróquias católicas em várias partes do mundo nas quais o sacerdote local tem conhecimento salvador genuíno de Cristo e um relacionamento vital e pessoal com Cristo em oração e estudo da Bíblia. Suas homilias e o ensino particular da Bíblia colocam muita ênfase na fé pessoal e na necessidade de leitura individual da Bíblia e de oração. Seu ensino sobre os sacramentos enfatiza os aspectos simbólicos e comemorativos em vez de tratá-los como atos que ocasionam a infusão da graça salvadora. Em tal caso, embora devamos dizer que ainda temos profundas diferenças com o ensino católico em relação a algumas doutrinas, entretanto parece que tal igreja se aproximaria a tal ponto das duas marcas da igreja que seria difícil negar que ela é de fato uma verdadeira igreja. Ela pareceria constituir uma genuína congregação de crentes na qual o evangelho é ensinado (embora não puramente) e os sacramentos são administrados mais correta que erroneamente.”
Há igrejas falsas dentro do protestantismo? Olhando para as duas marcas distintivas da igreja, parece-me que muitas igrejas protestantes liberais de hoje são de fato falsas igrejas. Será que o evangelho da justiça pelas obras e da incredulidade na Escritura que essas igrejas ensinam é muito diferente com respeito à salvação do ensino da Igreja Católica Romana no tempo da Reforma? E o que essas igrejas fazem, administrando os sacramentos sem o ensino da sã doutrina a qualquer pessoa que aparece, dando falsa segurança a pecadores não regenerados, não é semelhante ao que os católicos faziam com os sacramentos no tempo da Reforma? Quando há uma assembléia de pessoas que leva o nome cristã, mas que ensina firmemente que as pessoas não podem crer em sua, Bíblias — de fato, uma igreja cujo pastor e congregação raramente lêem suas Bíblias ou oram de modo significativo, e não crêem ou talvez nem mesmo entendam o evangelho da salvação somente pela fé em Cristo — como podemos dizer que essa é uma verdadeira igreja?

Os propósitos da igreja

Podemos entender os propósitos da igreja em termos de ministério para com Deus, com os crentes e com o mundo.

1.     Ministério para com Deus:

Adoração. Em relação a Deus, o propósito da igreja é adorá-lo. Paulo aconselha a igreja de Colossos:”Cantem salmos,hinos e cânticos espirituais com gratidão a Deus em seu coração” (Cl 3.16). Deus nos destinou em Cristo e nos separou “a fim de que nós sejamos para o louvor da sua glória” (Ef 1.12).A adoração na igreja não é meramente a preparação para algo mais; ela é em si mesma o cumprimento do maior propósito da igreja com referência ao seu Senhor. Essa é a razão pela qual Paulo exortou os efésios a aproveitar “ao máximo cada oportunidade”, associando isso com o mandamento para que se enchessem do Espírito e, então, falassem entre si com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando de coração ao Senhor” (Ef 5.16-19).

2.     Ministério para com os crentes:

Fortalecimento. Segundo a Escritura, a igreja tem a obrigação de fortalecer os que já são crentes e edificá-los para chegarem à maturidade da fé. Paulo disse que seu alvo não era simplesmente trazer pessoas à fé inicial, mas advertir e ensinar “a cada um com toda a sabedoria, para que apresentemos todo homem perfeito em Cristo” (Cl 1.28). E ele disse à igreja de Éfeso que Deus deu à igreja pessoas capacitadas “com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo” (Ef 4.12,13). É claramente contrário ao padrão do NT pensar que o nosso único objetivo com as pessoas é trazê-las à fé salvadora inicial. Nosso alvo como igreja deve ser apresentar perante Deus todo cristão “perfeito em Cristo” (CL 1.28).

3.     Ministério para com o mundo:

Evangelização e misericórdia. Jesus disse aos discípulos que eles deveriam fazer “discípulos de todas as nações” (Mt 28.19). Essa obra evangelística de declarar o evangelho é o ministério primário que a igreja tem para com o mundo. Todavia, um ministério de misericórdia deve vir acompanhando o ministério de evangelização, um ministério que inclua a preocupação com os pobres e necessitados, em nome do Senhor. Embora a ênfase do NT seja sobre dar ajuda material aos que são parte da igreja (At 11.29; 2Co 8.4; lJo 3.17), há ainda a afirmação de que é justo ajudar os descrentes mesmo que eles não respondam com gratidão ou que não aceitem a mensagem do evangelho. Jesus nos diz: “Amem, porém, os seus inimigos, façam-lhes o bem e emprestem a eles, sem esperar receber nada de volta. Então, a recompensa que terão será grande e vocês serão filhos do Altíssimo, porque ele é bondoso para com os ingratos e maus. Sejam misericordiosos, assim como o pai de vocês é misericordio” (Lc 6.35,36).

O argumento da explicação de Jesus é que devemos imitar Deus em ser amáveis para os que são ingratos e maus.
Além disso, temos o exemplo de Jesus, que não buscou curar somente os que o aceitaram como Messias. Antes, quando grandes multidões vieram a ele, “ele os curou, impondo as mãos sobre cada um deles” (Lc 4.40). Isso deveria dar-nos encorajamento para praticar ações amáveis e orar pela cura e por outras necessidades na vida dos descrentes assim como na dos crentes. Tais ministérios de misericórdia ao mundo podem também incluir a participação em atividades cívicas ou a tentativa de influenciar a política governamental para torná-la mais compatível com os princípios morais da Bíblia. Nas áreas onde há sistematicamente injustiça manifestada no tratamento aos pobres, a grupos étnicos ou ainda a minorias religiosas, a igreja deveria também orar e — à medida que tem a oportunidade — pregar contra a injustiça. Todos esses são caminhos pelos quais a igreja pode suplementar o seu ministério evangelístico ao mundo e, de fato, embelezar o evangelho que professa. Mas tais ministérios de misericórdia ao mundo nunca devem tornar-se um substituto da genuína evangelização ou de outras áreas do ministério para com Deus e para com os crentes mencionados anteriormente.

4.     Mantendo esses propósitos em equilíbrio:

Uma vez que mencionamos esses propósitos para a igreja, alguém poderia perguntar: “Qual é o mais importante?”. Ou outra pessoa perguntaria: “Poderíamos considerar um desses três menos importante que os outros?”.
Devemos responder que os três propósitos da igreja são ordenados por Deus na Escritura; portanto, todos são importantes e nenhum deles pode ser negligenciado. De fato, uma igreja forte terá ministérios eficazes nessas três áreas. Devemos nos precaver contra quaisquer tentativas de reduzir o propósito da igreja a somente um dos três e dizer que esse deveria ser o foco principal. De fato, tais tentativas de tornar um dos três propósitos mais importantes sempre resultarão em alguma negligência dos outros dois.
Contudo, diferentemente das igrejas, os indivíduos devem estabelecer uma prioridade em relação a um ou outro desses propósitos da igreja. Porque somos iguais a um corpo com diversos dons espirituais e capacidades, é correto colocarmos ênfase maior no cumprimento do propósito da igreja que está relacionado mais de perto com os dons e interesses que Deus nos deu. Quem tem o dom de evangelização deve naturalmente gastar algum tempo com a adoração e preocupação com os crentes, mas pode acabar gastando muito mais tempo na obra evangelística. Alguém que é líder capacitado em matéria de adoração pode dedicar 90% de seu tempo na igreja à preparação e à condução do culto. Essa é apenas uma resposta apropriada para a diversidade de dons que Deus nos deu.

Os propósitos da igreja

Podemos entender os propósitos da igreja em termos de ministério para com Deus, com os crentes e com o mundo.

1.     Ministério para com Deus:

Adoração. Em relação a Deus, o propósito da igreja é adorá-lo. Paulo aconselha a igreja de Colossos:”Cantem salmos,hinos e cânticos espirituais com gratidão a Deus em seu coração” (Cl 3.16). Deus nos destinou em Cristo e nos separou “a fim de que nós sejamos para o louvor da sua glória” (Ef 1.12).A adoração na igreja não é meramente a preparação para algo mais; ela é em si mesma o cumprimento do maior propósito da igreja com referência ao seu Senhor. Essa é a razão pela qual Paulo exortou os efésios a aproveitar “ao máximo cada oportunidade”, associando isso com o mandamento para que se enchessem do Espírito e, então, falassem entre si com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando de coração ao Senhor” (Ef 5.16-19).

2.     Ministério para com os crentes:

Fortalecimento. Segundo a Escritura, a igreja tem a obrigação de fortalecer os que já são crentes e edificá-los para chegarem à maturidade da fé. Paulo disse que seu alvo não era simplesmente trazer pessoas à fé inicial, mas advertir e ensinar “a cada um com toda a sabedoria, para que apresentemos todo homem perfeito em Cristo” (Cl 1.28). E ele disse à igreja de Éfeso que Deus deu à igreja pessoas capacitadas “com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo” (Ef 4.12,13). É claramente contrário ao padrão do NT pensar que o nosso único objetivo com as pessoas é trazê-las à fé salvadora inicial. Nosso alvo como igreja deve ser apresentar perante Deus todo cristão “perfeito em Cristo” (CL 1.28).

3.     Ministério para com o mundo:

Evangelização e misericórdia. Jesus disse aos discípulos que eles deveriam fazer “discípulos de todas as nações” (Mt 28.19). Essa obra evangelística de declarar o evangelho é o ministério primário que a igreja tem para com o mundo. Todavia, um ministério de misericórdia deve vir acompanhando o ministério de evangelização, um ministério que inclua a preocupação com os pobres e necessitados, em nome do Senhor. Embora a ênfase do NT seja sobre dar ajuda material aos que são parte da igreja (At 11.29; 2Co 8.4; lJo 3.17), há ainda a afirmação de que é justo ajudar os descrentes mesmo que eles não respondam com gratidão ou que não aceitem a mensagem do evangelho. Jesus nos diz: “Amem, porém, os seus inimigos, façam-lhes o bem e emprestem a eles, sem esperar receber nada de volta. Então, a recompensa que terão será grande e vocês serão filhos do Altíssimo, porque ele é bondoso para com os ingratos e maus. Sejam misericordiosos, assim como o pai de vocês é misericordio” (Lc 6.35,36).

O argumento da explicação de Jesus é que devemos imitar Deus em ser amáveis para os que são ingratos e maus.
Além disso, temos o exemplo de Jesus, que não buscou curar somente os que o aceitaram como Messias. Antes, quando grandes multidões vieram a ele, “ele os curou, impondo as mãos sobre cada um deles” (Lc 4.40). Isso deveria dar-nos encorajamento para praticar ações amáveis e orar pela cura e por outras necessidades na vida dos descrentes assim como na dos crentes. Tais ministérios de misericórdia ao mundo podem também incluir a participação em atividades cívicas ou a tentativa de influenciar a política governamental para torná-la mais compatível com os princípios morais da Bíblia. Nas áreas onde há sistematicamente injustiça manifestada no tratamento aos pobres, a grupos étnicos ou ainda a minorias religiosas, a igreja deveria também orar e — à medida que tem a oportunidade — pregar contra a injustiça. Todos esses são caminhos pelos quais a igreja pode suplementar o seu ministério evangelístico ao mundo e, de fato, embelezar o evangelho que professa. Mas tais ministérios de misericórdia ao mundo nunca devem tornar-se um substituto da genuína evangelização ou de outras áreas do ministério para com Deus e para com os crentes mencionados anteriormente.

4.     Mantendo esses propósitos em equilíbrio:

Uma vez que mencionamos esses propósitos para a igreja, alguém poderia perguntar: “Qual é o mais importante?”. Ou outra pessoa perguntaria: “Poderíamos considerar um desses três menos importante que os outros?”.
Devemos responder que os três propósitos da igreja são ordenados por Deus na Escritura; portanto, todos são importantes e nenhum deles pode ser negligenciado. De fato, uma igreja forte terá ministérios eficazes nessas três áreas. Devemos nos precaver contra quaisquer tentativas de reduzir o propósito da igreja a somente um dos três e dizer que esse deveria ser o foco principal. De fato, tais tentativas de tornar um dos três propósitos mais importantes sempre resultarão em alguma negligência dos outros dois.
Contudo, diferentemente das igrejas, os indivíduos devem estabelecer uma prioridade em relação a um ou outro desses propósitos da igreja. Porque somos iguais a um corpo com diversos dons espirituais e capacidades, é correto colocarmos ênfase maior no cumprimento do propósito da igreja que está relacionado mais de perto com os dons e interesses que Deus nos deu. Quem tem o dom de evangelização deve naturalmente gastar algum tempo com a adoração e preocupação com os crentes, mas pode acabar gastando muito mais tempo na obra evangelística. Alguém que é líder capacitado em matéria de adoração pode dedicar 90% de seu tempo na igreja à preparação e à condução do culto. Essa é apenas uma resposta apropriada para a diversidade de dons que Deus nos deu.


Teologia Sistemática.
Wayne Grudem.
Ed. Vida.


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013


A oração

• Por que Deus quer que nós oremos?
• Como podemos orar de modo eficaz?



1. EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA
O caráter de Deus e o seu relacionamento com o mundo, conforme discussão nos capítulos anteriores, naturalmente conduzem à consideração da doutrina da oração. A oração pode ser definida da seguinte maneira: A oração é nossa comunicação pessoal com Deus.
Essa definição é muito ampla. O que chamamos “oração” inclui orações de pedidos por nós mesmos e por outros (às vezes chamadas orações de petição ou intercessão), confissão de pecado, adoração, louvor e ação de graças.

A. Por que Deus quer que oremos?
A oração não foi instituída para que Deus pudesse descobrir nossas necessidades, pois Jesus nos diz: “porque o [...] Pai sabe do que vocês precisam, antes mesmo de o pedirem” (Mt 6.8). Deus quer que oremos porque a oração expressa nossa confiança nele e é um meio pelo qual nossa confiança nele pode aumentar. De fato, talvez a ênfase primária do ensino bíblico sobre a oração é que devemos orar com fé, que significa confiança ou dependência de Deus. Deus, como nosso Criador, se deleita no fato de que suas criaturas confiam nele, pois a atitude de dependência é a forma mais apropriada para expressar o relacionamento entre o Criador e a criatura.
As primeiras palavras da oração que o Senhor nos ensinou, ”Pai nosso, que estás nos céus!” (Mt 6.9), admitem nossa dependência de Deus como o Pai sábio e amoroso e também reconhecem que, de seu trono celestial, ele governa todas as coisas. Muitas vezes a Escritura enfatiza nossa necessidade de confiar em Deus quando oramos. Por exemplo, Jesus compara nossa oração ao filho que pede a seu pai um peixe e um ovo (Lc 11.9-12) e a seguir conclui: “Se vocês, apesar de serem maus, sabem dar boas coisas aos seus filhos, quanto mais o Pai que está nos céus dará o Espírito Santo a quem o pedir?” (Lc 11.13). Como os filhos olham para seus pais esperando a providência deles, assim Deus espera que olhemos para ele em oração. Visto que Deus é nosso Pai, devemos pedir a ele com fé. Jesus diz: “E tudo o que pedirem em oração, se crerem, vocês receberão” (Mt 21.22; cf. Mc 11.24; Tg 1.6-8; 5.14,15).
Mas Deus não quer somente que confiemos nele. Ele também quer que o amemos e tenhamos comunhão com ele. Essa, então, é a segunda razão pela qual Deus quer que oremos.
A oração nos traz à comunhão mais profunda com Deus, e ele nos ama e tem prazer em nossa comunhão com ele. Quando oramos verdadeiramente, nós como pessoas, na totalidade de nosso caráter, estamos nos relacionando com Deus como uma pessoa, na totalidade do seu caráter. Assim, tudo o que pensamos ou sentimos a respeito de Deus é expresso em nossa oração. É natural que Deus tenha prazer em tal atividade e dê tanta ênfase a ela e ao relacionamento conosco.
A terceira razão pela qual Deus quer que oremos é que na oração Deus permite que nós, como criaturas, fiquemos envolvidos em atividades que são eternamente importantes. Quando oramos, o avanço do Reino se processa. Desse modo, a oração nos dá oportunidade de nos envolvermos de modo significativo na obra do Reino e, assim, dá expressão à nossa espantosa importância como criaturas feitas à imagem de Deus.
A quarta razão pela qual Deus quer que oremos é que na oração damos glória a Deus. A oração em humilde dependência de Deus indica que estamos genuinamente convencidos de sua sabedoria, amor, bondade e poder.

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B. A eficácia da oração

Como exatamente a oração funciona? Além de nos fazer bem, será que a oração também afeta Deus e o mundo?

1. A oração muitas vezes muda o modo de Deus agir. Tiago nos diz: “Não têm, porque não pedem” (Tg 4.2). Ele sugere que a falha em pedir priva-nos do que Deus, de outra forma, nos teria dado. Nós oramos e Deus responde. Jesus também diz: “Peçam, e lhes será dado; busquem, e encontrarão; batam, e a porta lhes será aberta” (Lc 11.9,10). Ele faz a conexão clara entre procurar coisas de Deus e recebê-las. Quando pedimos, Deus responde.
Isso acontece muitas vezes no AT. O Senhor declarou a Moisés que ele haveria de destruir o povo de Israel por causa do seu pecado (Ex 32.9,10): “Moisés, porém, suplicou ao SENHOR, o seu Deus clamando: ‘O SENHOR [...] Arrepende-te do fogo da tua ira! Tem piedade, e não tragas este mal sobre o teu povo...”’ (Lx 32.11,12). Então lemos: “E sucedeu que o SENHOR arrependeu-se do mal que ameaçara trazer sobre o povo” (Êx 32.14). Moisés orou, e Deus respondeu. Quando Deus ameaça punir seu povo por seus pecados, ele declara: “Se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar e orar, buscar a minha face e se afastar dos seus maus caminhos, dos céus o ouvirei, perdoarei o seu pecado e curarei a sua terra” (2Cr 7.14). Quando o povo de Deus orar (com humildade e arrependimento), então ele ouvirá e os perdoará. As orações do povo de Deus claramente afetam o modo como ele age. De modo semelhante, “se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda injus­tiça” (lJo 1.9). Nós confessamos, e então Deus perdoa.
Se estivermos realmente convencidos de que a oração muitas vezes muda o modo de Deus agir e que Deus realmente produz notáveis mudanças no mundo em resposta à oração (como a Escritura repetidamente nos diz que ele faz), deveremos orar muito mais do que oramos. Se oramos pouco, é provavelmente porque não cremos realmente que a oração realiza muita coisa.
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2. A oração eficaz torna-se possível por nosso mediador, Jesus Cristo.
Porque somos pecaminosos e Deus é santo, não temos qualquer direito de, por nós próprios, entrar na presença de Deus. Precisamos de um mediador para estar entre nós e Deus e para colocar-nos em sua presença. A Escritura claramente ensina: “Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: o homem Cristo Jesus” (lTm 2.5).
Mas se Jesus é somente mediador entre Deus e o homem, Deus vai ouvir as orações dos descrentes, os que não confiam em Jesus? A resposta depende do que entendemos por “ouvir”. Visto que Deus é onisciente, ele sempre ouve no sentido de que está consciente das orações feitas pelos descrentes que não vêm a ele por meio de Cristo. Deus pode até, de vez em quando, responder às orações deles por causa de sua misericórdia e no desejo de trazê-los à salvação por meio de Cristo. Contudo, em lugar algum Deus prometeu responder às orações dos descrentes. As únicas orações que ele prometeu “ouvir”, no sentido de escutar com simpatia e de comprometer-se a responder quando elas são feitas de acordo com a sua vontade, são as orações dos cristãos feitas por meio do mediador, Jesus Cristo (cf.Jo 14.6).
Então, o que dizer a respeito dos crentes do AT? Como poderiam eles vir a Deus por meio de Jesus, o mediador? A resposta é que a obra de Jesus como nosso mediador foi representada em sombras pelo sistema sacrificial e pelas ofertas feitas pelos sacerdotes no templo (Hb 7.23-28; 8.1-6; 9.1-14 etc.). Contudo, não havia nenhum mérito salvador no sistema de sacrifícios (Hb 10.1-4). Por meio do sistema sacrificial, os crentes foram aceitos por Deus somente com base na obra futura de Cristo representada em sombras por aquele sistema (Rm 3.23-26).
A atividade de Jesus como mediador é vista especificamente em sua obra como sacerdote: Ele é nosso “grande sumo sacerdote que adentrou os céus”, aquele que “passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado” (Hb 4.14,15).
Como beneficiários da nova aliança, não precisamos permanecer “fora do templo”, como todos os crentes, exceto os sacerdotes, de quem se exigiu isso sob a antiga aliança. Nem precisamos permanecer fora do “Santo dos Santos” (Hb 9.3), o lugar mais interior do templo, onde o próprio Deus estava entronizado acima da arca da aliança e onde somente o sumo sacerdote poderia entrar, apenas uma vez ao ano. Mas agora, visto que Cristo morreu como o nosso Sumo Sacerdote mediador (Hb 7.26,27), ele ganhou para nós intrepidez e acesso à verdadeira presença de Deus. ”Portanto, irmãos, temos plena confiança para entrar no Santo dos Santos pelo sangue de Jesus” (Hb 10.19), isto é, no Santo Lugar e no Santo dos Santos, a verdadeira presença do próprio Deus! A obra de mediação de Cristo dá-nos confiança para aproximar-nos de Deus em oração.
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3. O que significa orar “em nome de Jesus”?
Jesus diz: “E eu farei o que vocês pedirem em meu nome, para que o Pai seja glorificado no Filho. O que vocês pedirem em meu nome, eu farei” (Jo 14.13,14). Ele também diz que escolheu seus discípulos “a fim de que o Pai lhes conceda o que pedirem em meu nome” (Jo 15.16). De modo semelhante, ele diz: “Eu lhes asseguro que meu Pai lhes dará tudo o que pedirem em meu nome [...] Peçam e receberão, para que a alegria de vocês seja completa” (Jo 16.23,24; cf. Ef 5.20). Mas o que isso significa?
É claro que isso não significa simplesmente a adição da cláusula ”em nome de Jesus” após cada oração, porque Jesus não disse: “Se você pedir alguma coisa e acrescentar as palavras em nome de Jesus’, após a sua oração, então eu farei”. Jesus não está falando meramente a respeito de adicionar certas palavras como se elas fossem uma espécie de fórmula mágica que daria poder às nossas orações. De fato, nenhuma das orações registradas na Escritura tem a frase “em nome de Jesus” no final delas (v. Mt 6.9-13; At 1.24,25; 4.24-30; 7.59; 9.13,14; 10. 14 ;Ap 6.10; 22.20).
Vir em nome de alguém significa que outra pessoa nos autorizou a vir com a sua autoridade, não com a nossa. Quando Pedro ordena ao homem coxo: “Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, ande” (At 3.6), ele está apelando para a autoridade de Jesus, não para a própria autoridade. Quando os membros do Sinédrio perguntaram aos discípulos: “Com que poder ou em nome de quem vocês fizeram isso?” (At 4.7), eles estavam perguntando: “Com a autoridade de quem vocês fizeram isso?”. Quando Paulo repreende um espírito imundo “em nome de Jesus Cristo” (At 16.18), ele torna claro que está fazendo isso com a autoridade de Jesus, não com a sua. Quando Paulo pronuncia juízo “em nome de nosso Senhor Jesus” (1 Co 5.4) sobre um membro da igreja que é culpado de imoralidade, está agindo com a autoridade do Senhor Jesus. Orar em nome de Jesus é, portanto, oração feita com autorização dele com base em sua obra mediadora por nós.
Em sentido mais amplo, o “nome” de uma pessoa no mundo antigo representava a pró­pria pessoa e, portanto, tudo de seu caráter. Ter um “bom nome” (Pv 22.1, RA; Ec 7.1) era possuir boa reputação. Assim, o nome de Jesus representa tudo o que ele é, seu caráter total. Isso significa que orar “em nome de Jesus” não é somente orar com a sua autoridade, mas também orar de modo que seja condizente com o seu caráter, que verdadeiramente o repre­sente e reflita sua maneira de viver e sua própria vontade santa. Orar em nome de Jesus também significa orar de acordo com o seu caráter. Nesse sentido, orar em nome de Jesus se aproxima da idéia de orar de acordo com a sua ”vontade” (lJo 5.14,15).
Isso significa que é errado acrescentar “em nome de Jesus” no final de nossas orações?
Certamente não é errado, contanto que entendamos o significado dessas palavras e que não é necessário pronunciá-las. Pode haver algum perigo, contudo, se acrescentamos essa frase a cada oração pública ou particular que fazemos, pois logo ela se tornará para as pessoas simplesmente a fórmula à qual atribuímos muito pouco significado se a pronunciamos sem pensar seriamente sobre ela. Ela pode ser vista, ao menos por crentes mais jovens, como uma espécie de fórmula mágica que torna a oração mais eficaz. Para evitar tal entendimento errôneo, provavelmente seria sábio decidir não usar essa fórmula muitas vezes e expressar o mesmo pensamento em outras palavras ou simplesmente na abordagem e atitude que temos para com a oração em geral. Por exemplo, as orações poderiam começar assim: “Pai, vimos diante de ti na autoridade do Senhor Jesus, teu Filho” ou “Pai, não vimos com méritos próprios, mas nos méritos de Jesus Cristo, que nos convidou a comparecer diante de ti...”, ou “Pai, te agradecemos por perdoares os nossos pecados e dares acesso ao teu trono pela obra de Jesus Cristo, teu Filho...”. Em outras ocasiões mesmo esses reconhecimentos formais não devem ser considerados necessários, à medida que nosso coração perceba continuamente que é nosso Salvador que nos capacita a orar ao Pai. A oração genuína é conversa com a pessoa a quem conhecemos bem e que nos conhece. Tal conversa genuína entre pessoas que se conhecem mutuamente nunca depende do uso de certas fórmulas ou palavras exigidas, mas é questão de sinceridade em nossa linguagem e em nosso coração, uma questão de atitudes corretas e de condição de nosso espírito.
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4. Devemos orar a Jesus e ao Espírito Santo?
Um levantamento das orações do NT indica que elas não são usualmente dirigidas a Deus Filho nem ao Espírito, mas a Deus Pai. Todavia, a mera verificação de tais orações pode ser ilusória, pois a maioria das orações que temos registradas no NT é do próprio Jesus, que constantemente orou a Deus Pai, mas naturalmente não orou a si próprio como Deus Filho. Além disso, no AT, a natureza trinitária de Deus não foi revelada claramente, e não é de surpreender que não encontremos muita evidência de oração dirigida diretamente a Deus Filho ou a Deus Espírito antes do tempo de Cristo.
Embora haja um padrão claro de oração diretamente dirigida a Deus Pai por intermédio do Filho (Mt 6.9; Jo 16.23; Ef 5.20), há outras indicações de que a oração dirigida diretamente a Jesus Cristo também é apropriada. O fato de que foi o próprio Jesus que escolheu todos os outros apóstolos sugere que a oração em Atos 1.24 seja dirigida a ele: “Senhor, tu conheces o coração de todos. Mostra-nos qual destes dois tens escolhido”. O agonizante Estevão ora: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito” (At 7.59). A conversa entre Ananias e “o Senhor” em Atos 9.10-16 é com Jesus, porque no versículo 17 Ananias diz a Saulo: “o Senhor Jesus enviou-me para que você volte a ver...’. A oração “Vem, Senhor” [Maranatha] (lCo 16.22) é dirigida a Jesus, como a oração registrada em Apocalipse 22.20: “Vem, Senhor Jesus!”. E Paulo também orou ao “Senhor” em 2Coríntios 12.8 a respeito do seu espinho na carne.’
Além disso, o fato de que Jesus é “sumo sacerdote misericordioso e fiel” (Hb 2.17) que é capaz de “compadecer-se das nossas fraquezas” (Hb 4.15) é encorajamento para virmos ousadamente perante o “trono da graça” em oração “a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade” (Hb 4.16). Esses versículos devem incentivar-nos a vir diretamente a Jesus em oração, esperando que ele simpatize com as nossas fraquezas à medida que oramos.
Há, portanto, autorização escriturística suficiente para encorajar-nos a orar não somente a Deus Pai (que parece ser o padrão primário e certamente segue o exemplo que Jesus nos ensinou na oração do Senhor), mas também a orar diretamente a Deus Filho, nosso Senhor Jesus Cristo. Ambos os caminhos estão corretos, e, assim, podemos orar tanto ao Pai quanto ao Filho.
Mas devemos orar ao Espírito Santo? Embora nenhuma oração diretamente dirigida ao Espírito Santo tenha sido registrada no NT, não há nada que proíba tal oração, porque o Espírito Santo, semelhantemente ao Pai e ao Filho, é plenamente Deus e, portanto, é digno de oração e poderoso para responder a nossas orações. Ele também se relaciona conosco de modo pessoal, já que é o “Conselheiro” ou “Consolador” (Jo 14.16,26). Os crentes “o conhecem” [‘O nome “Senhor” (kyrios, no grego) é usado em Atos e nas cartas para referir-se especialmente ao Senhor Jesus Cristo.] (Jo 14.17), e ele os ensina (cf. Jo 14.26), dá testemunho a nós de que somos filhos de Deus (Rm 8.16) e pode ser entristecido pelos nossos pecados (Ef 4.30).Além disso,o Espírito Santo exerce volição pessoal na distribuição dos dons espirituais, pois “todas essas coisas [os dons], porém, são realizadas pelo mesmo e único Espírito, e ele as distribui individualmente, a cada um, como quer” (lCo 12.11). Portanto, não parece errado orar diretamente ao Espírito Santo em certas ocasiões, particularmente quando estamos lhe pedindo para fazer algo relacionado a áreas especiais de seu ministério e responsabilidade. Mas esse não é o padrão do NT e não deveria tornar-se a ênfase dominante em nossa vida de oração.
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C.        Algumas considerações importantes sobre a oração eficaz
A Escritura indica uma gama de considerações que precisam ser levadas em conta se vamos oferecer a espécie de oração que Deus deseja de nós.

1. Orar de acordo com a vontade de Deus.
João nos diz: “Esta é a confiança que temos ao nos aproximarmos de Deus: se pedirmos alguma coisa de acordo com a vontade de Deus, ele nos ouvirá. E se sabemos que ele nos ouve em tudo o que pedimos, sabemos que temos o que dele pedimos” (lJo 5.14,15). Jesus nos ensina a orar: “seja feita a tua vontade” (Mt 6.10), e ele próprio nos deu o exemplo, quando no jardim do Getsêmani orou: ”... não seja como eu quero, mas sim como tu queres” (Mt 26.39).
Mas como sabemos qual é a vontade de Deus quando oramos? Se o assunto sobre o qual estamos orando tem o respaldo de uma passagem da Escritura na qual Deus nos dá uma ordem ou uma declaração direta da sua vontade, então a resposta a essa pergunta é fácil: sua vontade é que sua Palavra seja obedecida e que seus mandamentos sejam observados. Devemos buscar a perfeita obediência à vontade moral de Deus na terra, de modo que a vontade de Deus possa ser feita “assim na terra como no céu” (Mt 6.10). Por essa razão, o conhecimento da Escritura é tremenda ajuda na oração, capacitando-­nos a seguir o padrão dos primeiros cristãos, que citavam a Escritura enquanto oravam (v.At 4.25,26). A leitura e a memorização regular da Escritura durante anos vão aumentar a profundidade, o poder e a sabedoria das orações do cristão. Jesus nos encoraja a ter suas palavras dentro de nós enquanto oramos, pois ele diz: “Se vocês permanecerem em mim,e as minhas palavras permanecerem em vocês, pedirão o que quiserem, e lhes será concedido” (Jo 15.7). ‘Com respeito à adoração do Espírito Santo, a totalidade da igreja — católicos romanos, ortodoxos e protestantes — tem unanimemente concordado que ela é apropriada, como afirmado no Credo niceno, elaborado em 381 d.C.: ”E cremos no Espírito Santo, Senhor, Doador da Vida, que procede do Pai e do Filho,o qual com o Pai e o Filho juntamente é adorado e glorificado”. De modo semelhante, a Confissão de fé de Westminster diz: “O culto religioso deve ser prestado a Deus Pai, o Filho e o Espírito Santo — e só a ele; não deve ser prestado nem aos anjos, nem aos santos, nem a qualquer outra criatura” (XXI.2). Muitos hinos em uso há séculos dão Louvor ao Espírito Santo, tais como o Gloria Patri (“Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito, como era no princípio, agora e para sempre, por todos os séculos. Amém!”) ou como a doxologia (“A Deus, supremo benfeitor, anjos e homens dêem Louvor; a Deus, o Filho, a Deus Pai, e a Deus, Espírito, glória dai. Amém”). Essa prática é baseada na convicção de que Deus é digno de adoração, e como o Espírito Santo é plenamente Deus, ele é digno de adoração. Tais palavras de louvor são uma espécie de oração ao Espírito Santo, e, se elas são apropriadas, parece não haver razão para pensar que outras espécies de oração ao Espírito Santo não sejam apropriadas.
Devemos ter grande confiança em que Deus vai responder a nossas orações quando lhe pedirmos algo que está de acordo com alguma promessa específica ou mandamento da Escritura como esse. Em tais casos, sabemos qual é a vontade de Deus, porque ele a disse para nós, e simplesmente precisamos orar crendo que ele haverá de responder.
Contudo, há muitas outras situações na vida em que não sabemos qual é a vontade de Deus. Podemos não ter certeza de qual ela seja porque nessas situações não se aplica nenhuma promessa ou mandamento da Escritura, como, por exemplo, se é a vontade de Deus que aceitemos o emprego para o qual nos candidatamos, ou se vamos ganhar uma competição esportiva da qual participaremos (uma oração comum entre crianças, especialmente), ou se seremos escolhidos para exercer algum cargo na igreja, e assim por diante. Em todos esses casos, tendo maior entendimento da Escritura, talvez alcancemos alguns princípios gerais dentro dos quais nossas orações possam ser feitas. Mas, de qualquer forma, muitas vezes temos de admitir que simplesmente não conhecemos qual é a vontade de Deus. Em tais casos, devemos procurar por entendimento mais profundo e, assim, orar pelo que parece melhor para nós, dando as razões ao Senhor pelas quais, em nosso entendimento da situação, estamos orando dessa maneira. Mas é sempre correto acrescentar, seja explicitamente seja ao menos na atitude de nosso coração: “No entanto, se eu estiver errado em pedir tal coisa, e se tal coisa não é agradável a ti, então faze como parece melhor aos teus olhos”, ou, de modo mais simples, “se é a tua vontade”. Algumas vezes Deus lhe dará o que você pediu. Outras vezes ele nos dará entendimento mais profundo ou uma mudança em nosso coração de modo que sejamos levados a pedir algo diferente. Em outras ocasiões ele não atenderá ao nosso pedido de forma alguma, mas simplesmente nos indicará que devemos submeter-nos à sua vontade (v. 2Co 12.9,10).
Alguns cristãos contrapõem que acrescentar a frase “se é a tua vontade” a nossas orações “destrói a nossa fé”. O que realmente acontece é que expressamos incerteza sobre se a oração que fazemos é ou não a vontade de Deus. Essa incerteza é adequada quando realmente não sabemos qual é a vontade de Deus, mas em outras ocasiões ela não é apropriada. Por exemplo, pedir a Deus por sabedoria para tomar uma decisão e a seguir dizer “se é a tua vontade me dar sabedoria aqui não é apropriado, pois seria declarar que não cremos que Deus quis dizer o que disse quando nos ordenou que pedíssemos com fé e ele atenderia o nosso pedido (“Se algum de vocês tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá livremente, de boa vontade; e lhe será concedida”—Tg 1.5).
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2. Ore com fé.
Jesus diz: “Tudo o que vocês pedirem em oração, creiam que já o receberam, e assim lhes sucederá” (Mc 11.24). Algumas tradições variam, mas o texto grego realmente diz: “creiam que já o receberam”. Jesus está certamente dizendo que, quando pedimos alguma coisa, a espécie de fé que produz resultados é a certeza estabelecida de que, na hora em que oramos pedindo algo (ou talvez após termos orado por um período de tempo), Deus concordou em atender ao nosso pedido específico. Na comunhão pessoal com Deus que acontece na oração genuína, essa espécie de fé de nossa parte poderia vir somente à medida que Deus nos dá o senso de certeza de que ele concordou com o nosso pedido. Naturalmente não podemos “estimular” esse tipo de fé genuína por meio de qualquer espécie de oração frenética ou de grande esforço emocional para conseguir crer, nem podemos forçar a nós mesmos dizendo palavras que não cremos ser verdadeiras. Isso é algo que somente Deus tem poder para nos dar e que ele pode ou não nos conceder cada vez que oramos. Essa fé que causa certeza muitas vezes acontecerá quando pedirmos a Deus por algo e, então, esperarmos pacientemente pela resposta.
De fato, Hebreus 11.1 nos diz que “a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos”. A fé sobre a qual a Bíblia fala nunca é uma espécie de pensamento positivo ou uma esperança vaga que não causa nenhum tipo de fundamento seguro sobre o qual possamos repousar. Ao contrário, ela é confiança em uma pessoa, o próprio Deus, baseada no fato de que tomamos sua palavra e confiamos no que ele disse. Essa confiança em Deus ou dependência dele, que possui também elemento de certeza, é a fé genuína sobre a qual a Bíblia ensina.
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3. Obediência.
Desde que a oração ocorre dentro de nosso relacionamento com Deus como pessoa, qualquer coisa em nossa vida que o desagrade será impedimento à oração. O salmista diz: “Se eu acalentasse o pecado no coração, o Senhor não me ouviria” (Sl 66.18). Embora o Senhor, por um lado, deteste “o sacrifício dos Ímpios”, por outro lado “a oração do justo o agrada” (Pv 15.8). Lemos novamente que “o SENHOR [...] ouve a oração dos justos” (Pv 15.29). Mas Deus não está disposto a favorecer os que rejeitam as suas leis: “Se alguém se recusa a ouvir a lei, até suas orações serão detestáveis” (Pv 28.9).
O apóstolo Pedro cita o salmo 34 para afirmar que “... os olhos do Senhor estão sobre os justos e os seus ouvidos estão atentos à sua oração, mas o rosto do Senhor volta-se contra os que praticam o mal” (1 Pe 3.12). Visto que os versículos anteriores encorajam a boa conduta na vida diária, no falar e no afastar-se do mal para fazer o que é reto, Pedro está dizendo que Deus ouve prontamente as orações dos que vivem em obediência a ele. De modo semelhante, Pedro adverte os maridos a viver a vida comum no lar com suas esposas “de forma que não sejam interrompidas a suas orações” (lPe 3.7). De igual modo, João nos lembra da necessidade de ter a consciência limpa diante de Deus quando oramos, pois ele diz: “Amados, se o nosso coração não nos condenar, temos confiança diante de Deus e recebemos dele tudo o que pedimos, porque obedecemos aos seus mandamentos e fazemos o que lhe agrada” (lJo 3.21,22).
Ora, esse ensino não deve ser entendido de modo errôneo. Não precisamos ser completamente livres do pecado diante de Deus para ter as nossas orações respondidas. Se Deus somente respondesse às nossas orações como pessoas sem pecado, então ninguém em toda a Bíblia, exceto Jesus, teria tido qualquer oração respondida. Quando chegamos diante de Deus por meio de sua graça, nos apresentamos limpos pelo sangue de Cristo (Rm 3.25; 5.9; Ef 2.13; Hb 9.14; lPe 1.2). Todavia, não devemos negligenciar a ênfase bíblica sobre a santidade pessoal. A oração e a vida santa andam juntas. Há muita expressão de graça na vida cristã, mas o crescimento na santidade pessoal é também o caminho para a bênção muito maior, e isso é verdade também com respeito à oração. As passagens citadas ensinam que, no mais não havendo diferenças, a obediência mais exata conduzirá à eficácia ainda maior na oração (cf. Hb 12.14; Tg 4.3,4).
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4.                  Confissão de pecados.
Porque a nossa obediência a Deus nunca é perfeita nesta vida, continuamente dependemos do perdão de nossos pecados. A confissão de pecados é necessária a fim de que Deus nos perdoe no sentido de restaurar diariamente o seu relacionamento conosco (v. Mt 6.12; lJo 1 .9).Quando oramos, é bom confessarmos todos os pecados conhecidos ao Senhor e pedir-lhe perdão. Quando esperamos nele, por vezes ele vai trazer à nossa mente outros pecados que precisam ser confessados. Com respeito aos pecados dos quais não nos lembramos e dos quais não estamos conscientes, é apropriado fazer a oração geral de Davi: “Absolve-me dos [erros] que desconheço” (Si 19.12).
Confessar nossos pecados a outros cristãos em quem confiamos pode trazer-nos certeza de perdão e encorajamento para vencer o pecado. Tiago relaciona a confissão mútua à oração, pois na passagem que discute a oração eficaz, ele nos encoraja: “... confessem os seus pecados uns aos outros e orem uns pelos outros para serem curados. A oração de um justo é poderosa e eficaz” (Tg 5.16).

5.                  Perdoando outros.
 Jesus diz: “Pois se perdoarem as ofensas uns dos outros, o Pai celestial também lhes perdoará. Mas se não perdoarem uns aos outros, o Pai celestial não lhes perdoará as ofensas” (Mt 6.14,15). De modo semelhante, Jesus diz: “E quando estiverem orando, se tiverem alguma coisa contra alguém, perdoem-no, para que também o Pai celestial lhes perdoe os seus pecados” (Mc 11.25). Nosso Senhor não tem em mente a experiência inicial de perdão quando somos justificados pela fé, pois isso não diz respeito às orações que fazemos cada dia (Mt 6.12,14,15). Ele está se referindo antes ao relacionamento diário com Deus que precisa ser restaurado quando pecamos contra ele e o desagradamos.
Visto que a oração supõe o relacionamento com Deus como pessoa, isso não é surpreendente. Se pecamos contra ele e entristecemos o Espírito Santo (cf. Ef 4.30), e o pecado não foi perdoado, ele interrompe nosso relacionamento com Deus (cf. Is 59.1,2).Até que o pecado seja perdoado e o relacionamento seja restaurado, a oração naturalmente será difícil. Além disso, se não temos perdão em nosso coração em relação a alguém, não estamos agindo de modo agradável a Deus ou útil a nós. Assim, Deus declara (Mt 6.12,14,15) que ele se distanciará de nós até que tenhamos perdoado os outros.
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6. Humildade.
Tiago nos diz que “Deus se opõe aos orgulhosos, mas concede graça aos humildes” (Tg 4.6; tb. 1 Pe 5.5). Entretanto, ele diz: “Humilhem-se diante do Senhor, e ele os exalta­rá” (Tg 4. l0).A humildade é, assim, a atitude certa que se deve ter na oração a Deus, ao passo que o orgulho é totalmente impróprio.
A parábola de Jesus a respeito do fariseu e do publicano ilustra esse princípio. Quando o fariseu levantou-se para orar, foi jactancioso: “Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens: ladrões, corruptos, adúlteros; nem mesmo como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho” (Lc 18.11,12). O publicano, ao contrário, “nem ousava olhar para o céu, mas batendo no peito, dizia: ‘Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador”’ (Lc 18.13). Jesus disse que o publicano “foi para casa justificado diante de Deus”, mas não o fariseu,”pois quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” (Lc 18.14). Por meio dessas palavras Jesus condenou os que, ”para disfarçar, fazem longas orações” (Lc 20.47), e os hipócritas que “gostam de ficar orando em pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de serem vistos pelos outros” (Mt 6.5).
Deus é certamente zeloso de sua própria honra. Portanto, ele não se agrada em responder a orações de orgulhosos que tomam a honra para si mesmos em vez de dá-la a Deus.A verdadeira humildade perante Deus, que também será refletida em humildade genuína perante os outros, é necessária para a oração eficaz.
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7. O que dizer a respeito das orações não respondidas?
Devemos começar reconhecendo que, ainda que Deus seja Deus e nós sejamos suas criaturas, deve haver orações que não são respondidas. Isso é porque Deus não nos revela seus planos sábios para o futuro e, embora as pessoas orem, muitos eventos não acontecerão até o tempo que Deus tenha decretado. Os judeus oraram durante séculos pedindo que o Messias viesse, e fizeram bem, mas foi somente “quando chegou a plenitude do tempo que “Deus enviou seu Filho” (Gl 4.4).A alma dos mártires no céu, livres do pecado, clamam para que Deus julgue a terra (Ap 6.10), mas Deus não lhes responde imediatamente; ao contrário, ele lhes diz que esperem “um pouco mais” (Ap 6.11). Fica claro que pode haver longos períodos de espera durante os quais as orações permanecem sem resposta porque as pessoas que oram não conhecem o tempo próprio de Deus.
A oração também poderá não ser respondida porque nem sempre sabemos orar como convém (Rm 8.26), nem sempre oramos de acordo com a vontade de Deus (Tg 4.3) e nem sempre pedimos com fé (Tg 1.6-8). E às vezes pensamos que uma solução é melhor, mas Deus tem um plano melhor, ainda que seja para cumprir o seu propósito por meio do sofrimento e das adversidades. Sem dúvida José orou seriamente para ser resgatado do poço e não ser levado para o cativeiro no Egito (Gn 37.23-36), mas muitos anos mais tarde ele descobriu como em todos esses eventos Deus tomou o mal planejado e “o tornou em bem” (Gn 50.20).
Quando enfrentamos o problema das orações não respondidas, temos a companhia de Jesus, que orou: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice; contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua” (Lc 22.42). Temos também a companhia de Paulo, que pediu ao Senhor “três vezes” para que o seu espinho na carne fosse removido, mas isso não aconteceu; ao contrário, o Senhor lhe disse: “Minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2Co 12.8,9). Quando a oração permanece sem resposta, devemos continuar a confiar em que “Deus age em todas as coisas para o bem” (Rm 8.28) e a lançar nossas preocupações sobre ele, sabendo que ele continuamente cuida de nós (lPe 5.7). Devemos manter na memória que ele dará força suficiente para cada dia (Dt 33.25) e que ele prometeu: “Nunca o deixarei, nunca o abandonarei” (Hb 13.5; cf. Rm 8.35-39).
Devemos também continuar a orar. As vezes a resposta longamente esperada pode ser dada de modo repentino, como aconteceu com Ana após muitos anos esperando um filho (lSm 1.19,20), ou quando Simeão viu com os próprios olhos o tão esperado Messias vindo ao templo (Lc 2.25-35).
Mas há situações em que as orações permanecem sem resposta pela vida toda. Há casos em que Deus responderá às orações após a morte do crente. Em outros não, mas, mesmo assim, a fé expressa pelo crente nessas orações e suas expressões sentidas de amor por Deus e pelas pessoas ainda vão subir como um cheiro agradável diante do trono de Deus (Ap 5.8; 8.3,4), resultando em “louvor, glória e honra, quando Jesus Cristo for revelado” (1 Pe 1.7).
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D. Louvor e ação de graças.
Louvor e ação de graças a Deus são o elemento essencial da oração. A oração-modelo que Jesus nos deixou começa com louvor: “Santificado seja o teu nome” (Mt 6.9). Paulo diz aos filipenses: “Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus” (Fp 4.6), e aos colossenses: “Dediquem-se à oração, estejam alerta e sejam agradecidos” (Cl 4.2).A ação de graças, exatamente como em outro aspecto da oração, não deveria ser a expressão mecânica “muito obrigado” de nossa boca para com Deus, mas a expressão de palavras que refletem a gratidão de nosso coração. Além disso, nunca devemos pensar que agradecer a Deus pela resposta de alguma coisa que pedimos possa de alguma forma forçar Deus a nos dar o que pedimos, pois isso transforma o pedido sincero e genuíno em exigência que presume que podemos fazer Deus executar o que queremos que ele nos faça. Tal espírito em nossas orações realmente nega a natureza essencial da oração como manifestação de nossa dependência de Deus.
Ao contrário, a espécie de ação de graças que acompanha a oração de modo apropriado deve expressar gratidão a Deus em todas as circunstâncias, por cada evento da vida que ele permite que nos aconteça. Quando nossa oração é cheia de humildade, a simples ação de graças a Deus “em todas as circunstâncias” (lTs 5.18), então essa oração é aceitável a Deus.

II. TÓPICOS PARA RECAPITULAÇÃO

1.         Dê três razões pelas quais Deus quer que oremos.
2.         De que modo Jesus torna as nossas orações eficazes?
3.         O que significa orar “de acordo com a vontade de Deus”?
4.         Qual é o papel de nossa obediência nas respostas às orações?
5.         Dê três razões pelas quais nossas orações podem ficar sem resposta.

III.      PERGUNTAS PARA APLICAÇÃO PESSOAL

1.         Você enfrenta muitas vezes dificuldade com a oração? Nesse sentido, o que foi útil para você neste capítulo?
2.         Quando você experimentou os momentos de oração mais eficazes em sua vida? Que fatores contribuíram para tornar esses momentos mais eficazes?
3.         Como orar junto com outros cristãos ajuda e encoraja você (se isso realmente acontece)?
4.         Você já tentou alguma vez esperar silenciosamente perante o Senhor após fazer um pedido muito honesto? Se isso aconteceu, qual foi o resultado?
5.         Você tem um tempo regular diário para leitura particular da Bíblia e para a oração? Você se distrai às vezes e volta-se para outras atividades? Quando isso acontece, como as distrações podem ser vencidas?

IV.       PASSAGEM BÍBLICA PARA MEMORIZAR
HEBREUS 4.14-16

Portanto, visto que temos um grande sumo sacerdote que adentrou os céus, Jesus, o Filho de Deus, apeguemo-nos com toda a firmeza à fé que professamos, pois não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, mas sim alguém que, como nós, passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado. Assim, aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade.

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