A pessoa de
Cristo
• Como Jesus pode
ser plenamente Deus e plenamente homem, sendo, todavia, uma só pessoa?
1. EXPLICAÇAO E
BASE BIBLICA
Podemos
resumir o ensino bíblico a respeito da pessoa de Cristo da seguinte maneira:
Jesus Cristo era plenamente Deus e plenamente homem em uma só pessoa, e assim
será para sempre.
O
material escriturístico que dá suporte a essa definição é muito extenso.
Discutiremos primeiro a humanidade de Cristo e depois sua divindade, e então
tentaremos mostrar como a divindade e a humanidade de Jesus estão unidas em uma
só pessoa.
A. A humanidade
de Cristo.
1. Nascimento
virginal.
Quando falamos da humanidade de Cristo, convém começar pela consideração sobre
o nascimento virginal de Cristo. A Escritura assevera claramente que Jesus foi
concebido no ventre de sua mãe, Maria, por uma obra miraculosa d Espírito
Santo, sem pai humano.
“Foi assim o nascimento de Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava
prometida em casamento a José, mas, antes que se unissem, achou-se grávida pelo
Espírito Santo” (Mt 1.18).
Logo em seguida o anjo do Senhor disse a José, que era comprometido com Maria: “José, filho de
Davi, não tema receber Maria como sua esposa, pois o que nela foi gerado
procede do Espírito Santo” (Mt 1.20). Então, lemos: “Ao acordar, José
fez o que o anjo do Senhor lhe tinha ordenado e recebeu Maria como sua esposa.
Mas não teve relações com ela enquanto ela não deu à luz um filho. E ele lhe
pôs o nome de Jesus” (Mt 1.24,25).
O
mesmo fato é afirmado no evangelho de Lucas, onde lemos a respeito da aparição
do anjo Gabriel a Maria. Após o anjo ter-lhe dito que ela teria um filho, Maria
disse: “Como
acontecerá isso, se sou virgem?” O anjo respondeu: “O Espírito Santo virá sobre
você, e o poder do Altíssimo a cobrirá com a sua sombra. Assim, aquele que há
de nascer será chamado Santo, Filho de Deus” (Lc 1.34,35; cf. 3.23).
Só
essa afirmação da Escritura sobre o nascimento virginal de Cristo já nos dá a
autorização suficiente para abraçar essa doutrina. Contudo, há também algumas
implicações doutrinárias cruciais do nascimento virginal que ilustram sua
importância. Podemos vê-las ao menos em três áreas:
a.
Ela mostra que em última instancia a salvação vem do Senhor. O nascimento virginal de Cristo
é o lembrete inconfundível do fato de que a salvação não pode nunca vir por
intermédio do esforço humano, mas leve ser obra sobrenatural de Deus. Esse fato
estava evidente já no começo da vida de Jesus “Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus
enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da Lei [...] para que
recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4.4,5).
b.
O nascimento virginal tornou possível a união da plena divindade com a plena
humanidade em uma só pessoa.
Esse foi o meio que Deus usou para enviar seu Filho (Jo 3.16; Gl 4.4) ao mundo como
homem. Se pensarmos por um momento em outros modos
possíveis pelos quais Cristo poderia ter vindo ao mundo, nenhum deles seria
claramente a união entre divindade e humanidade em uma pessoa. Provavelmente
teria sido possível Deus criar Jesus como ser humano completo no céu e enviá-lo
do céu para a terra sem o concurso de qualquer progenitor humano. Mas assim
seria muito difícil vermos como Jesus poderia ser plenamente humano como nós
somos. Por outro lado, provavelmente também teria sido possível Deus enviar
Jesus ao mundo com dois pais humanos, tanto o pai como a mãe, e fazer unir
miraculosamente sua plena natureza divina à natureza humana em algum ponto, bem
no começo de sua vida. Mas assim seria difícil entendermos como Jesus poderia
ser plenamente Deus, já que sua origem seria igual à nossa em cada detalhe.
Quando pensamos nessas duas outras possibilidades, isso nos ajuda a entender
como Deus, em sua sabedoria, ordenou a combinação da influência humana e divina
no nascimento de Cristo, de forma que sua plena humanidade seria evidente a
partir de seu nascimento humano comum procedente de uma mãe humana, e a sua
plena divindade seria evidente a partir do fato de sua concepção no ventre de
Maria pela obra poderosa do Espírito Santo.
c.
O nascimento virginal também torna possível a verdadeira humanidade de Cristo
sem o pecado herdado.
Como já observamos no capítulo 14, todos os seres humanos herdaram do primeiro
pai, Adão, a culpa legal e a corrupção da natureza moral. Mas o fato de que
Jesus não teve um pai humano significa que a linha de descendência de Adão é
parcialmente interrompida. Jesus não descendeu de Adão exatamente da mesma
forma que quaisquer outros seres humanos descenderam de Adão. Isso nos ajuda a
entender por que a culpa legal e a corrupção moral que pertencem a todos os
outros seres humanos não pertencem a Cristo.
Mas
por que Jesus não herdou a natureza pecaminosa de Maria? A
Igreja Católica Romana responde a essa pergunta dizendo que a própria Maria foi
livre do pecado, mas a Escritura em nenhum lugar ensina tal doutrina que,
aliás, não resolveria o problema de forma alguma (pois por que, então, Maria
não teria herdado o pecado de sua mãe?). Uma solução melhor é dizer que
a obra do Espírito Santo em Maria deve ter evitado não somente a transmissão do
pecado de José (por Jesus não ter tido um pai humano), mas também, de modo
miraculoso, a transmissão do pecado de Maria: “O Espírito Santo virá sobre você [...] Assim,
aquele que há de nascer será chamado Santo, Filho de Deus” (Lc 1.35).
[Essa
tradução do texto grego “Assim, aquele que há de nascer será chamado Santo,
Filho de Deus”) é melhor do que a feita pela ARC e pela RA (“por isso, também o
ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus”). Ela é melhor porque
outros exemplos da literatura antiga mostram que a expressão grega to gennõmenon deve ser entendida como “a criança por nascer”].
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2. Fraqueza e
limitações humanas.
A. Jesus possuía
corpo humano.
O fato de Jesus possuir um corpo humano exatamente como o nosso corpo é
claramente visto em muitas passagens da Escritura. Ele nasceu exatamente como todos
os bebês humanos nascem (Lc 2.7). Cresceu da infância até a maturidade
exatamente como as outras crianças crescem: “O menino crescia e se fortalecia, enchendo-se
de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele” (Lc 2.40). Além
disso, Lucas nos diz que “Jesus ia crescendo em sabedoria, estatura e graça diante de
Deus e dos homens” (Lc 2.52).
Jesus
se cansava exatamente como nós nos cansamos, pois lemos que, junto a fonte de
Jacó, em Samaria, “Jesus, cansado da viagem, sentou-se à beira do poço. Isso
se deu por volta do meio-dia” (Jo 4.6). Ele teve sede, pois, quando
estava na cruz, disse: “Tenho sede” (Jo 19.28). Após ter jejuado por
quarenta dias no deserto, lemos que Jesus “teve fome” (Mt 4.2). Em certas ocasiões esteve
fisicamente fraco, pois durante sua tentação no deserto jejuou quarenta dias
(situação em que a força física de um ser humano se esvai quase totalmente,
além do que pode ocorrer grande dano físico se o jejum continua). Naquela
ocasião os “anjos
vieram e o serviram” (Mt 4.11), certamente para cuidar dele e
proporcionar alimento até que recobrasse suas forças para sair do deserto. O
ponto máximo das limitações de Jesus em termos de seu corpo humano foi visto
quando ele morreu na cruz (Lc 23.46). Seu corpo humano cessou de ter vida e
de funcionar, exatamente como acontece com o corpo de qualquer pessoa quando
morre.
Jesus
também ressuscitou dos mortos fisicamente, em corpo, embora tal corpo tenha se
tornado perfeito e não mais fosse sujeito a fraquezas, doença ou morte. Ele
demonstra repetidamente aos seus discípulos que, de fato, possuía um corpo
físico real dizendo: “Vejam as minhas mãos e os meus pés. Sou eu mesmo! Toquem-me
e vejam; um espírito não tem carne nem ossos, como vocês estão vendo que eu
tenho” (Lc 24.39). Ele lhes estava mostrando e ensinando que era “carne e ossos”
e não meramente um “espírito”, sem
corpo. Outra evidência desse fato é que “deram-lhe um pedaço de peixe assado, e ele o comeu na
presença deles” (Lc 24.42,43; cf. v. 30; Jo 20.17,20,27; 21.9,13).
Com
esse mesmo corpo humano (embora ressurreto que foi tornado
perfeito), Jesus também subiu ao céu. Ele disse antes de subir: [...] “agora deixo o
mundo e volto para o Pai” (Jo 16.28; cf. 17.11). O modo pelo qual
Jesus subiu para o céu foi estabelecido para demonstrar a continuidade entre
sua existência com corpo físico aqui sobre a terra e sua existência contínua
com esse corpo no céu. Exatamente poucos versículos após Jesus ter-lhes dito: “um espírito não
tem carne nem ossos, como vocês estão vendo que eu tenho” (Lc 24.39),
lemos no evangelho de Lucas que Jesus, “tendo-os levado até as proximidades de Betânia [...] ergueu
as mãos e os abençoou. Estando ainda a abençoá-los, ele os deixou e foi elevado
ao céu” (Lc 24. 50,51). Semelhantemente, lemos em Atos que Jesus “foi elevado às
alturas enquanto eles olhavam, e uma nuvem o encobriu da vista deles” (At 1.9).
Todos
esses versículos vistos juntos mostram que, no que diz respeito ao corpo humano
de Jesus, ele era igual ao nosso em cada aspecto antes da ressurreição e após a
ressurreição era ainda um corpo humano com “carne e ossos”, mas tornado
perfeito, a espécie de corpo que teremos quando Cristo retornar e nós
igualmente ressuscitarmos dos mortos.
B. Jesus possuía mente humana. O fato de que Jesus “ia crescendo em
sabedoria” (Lc 2.52) significa que ele passou pelo processo
de aprendizado exatamente como todas as outras crianças passam — aprendeu a
comer, a andar, a ler e a escrever, e a ser obediente aos seus pais (v. Hb 5.8).
Esse processo regular de aprendizado fazia parte da genuína humanidade de
Cristo.
Também
vemos que Jesus tinha uma mente humana igual à nossa quando ele fala sobre o
dia do seu retorno à terra: “Quanto ao dia e à hora ninguém sabe, nem os anjos no céu,
nem o Filho, senão somente o Pai” (Mc 13.32).
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C. Jesus possuía
alma e emoções humanas.
Vemos diversas indicações de que Jesus possuía uma alma (ou espírito) humano.
Exatamente antes de sua crucificação, Jesus disse: “Agora, está angustiada a minha alma” (RA, Jo
12.27). João escreve um pouco mais tarde, dizendo que “Jesus
perturbou-se em espírito” (Jo 13.21). Em ambos os versículos as
palavras angústia e perturbação são traduções do termo grego tarassō, palavra
bastante usada para referir-se a pessoas que estão ansiosas ou se sentem
repentinamente confrontadas pelo perigo. Além disso, antes de sua crucificação,
à medida que percebia o sofrimento que haveria de enfrentar, Jesus disse: “A minha alma está
profundamente triste, numa tristeza mortal” (Mt 26.38). Tão grande
era a tristeza que ele sentia que parecia estar tirando a sua vida.
Jesus
experimentou grande variedade de emoções humanas. Ele “admirou-se” da fé do centurião (Mt 8.10).
Chorou de tristeza na morte de Lázaro (Jo 11.35). Orou com o coração cheio de emoção, pois “durante os
seus dias de vida na terra, Jesus ofereceu orações e súplicas, em alta voz e
com lágrimas, àquele que o podia salvar da morte, sendo ouvido por causa da sua
reverente submissão” (Hb 5.7).
O
autor de Hebreus também nos diz o seguinte: “Embora sendo Filho, ele aprendeu a obedecer
por meio daquilo que sofreu; e, urna vez aperfeiçoado, tornou-se a fonte da
salvação eterna para todos os que lhe obedecem” (Hb 5.8,9). Todavia,
se Jesus nunca pecou, como poderia “aprender
a obedecer”? Certamente, enquanto crescia para a maturidade, Jesus, igual a
todas as outras crianças, foi capaz de aceitar mais e mais responsabilidade.
Quanto mais ele crescia, mais exigências seus pais colocavam sobre os seus
ombros em termos de obediência, e mais tarefas difíceis seu Pai celestial lhe
atribuía para que desempenhasse segundo a força de sua natureza humana. Quanto
mais uma tarefa se tornava difícil e quanto mais as circunstâncias se tornavam
difíceis, mesmo quando envolviam algum sofrimento (como Hb 5.8 especifica), mais
aumentava a capacidade moral de Jesus, como homem, para obedecer. Poderíamos
dizer que a ”espinha dorsal do
comportamento moral” de Jesus era fortalecida à medida que o exercício se
tornava mais difícil. Todavia, em tudo isso ele nunca pecou.
3.
Impecabilidade.
Embora o NT afirme com clareza que Jesus era plenamente homem exatamente como
nós somos, também afirma que ele era diferente em um aspecto importante: Jesus
era sem pecado, e nunca pecou durante toda a sua vida. Alguns têm contraposto
que, se Jesus não pecou, então não era verdadeiramente humano, pois todos os
seres humanos pecam. Mas essa objeção simplesmente falha em perceber que os
seres humanos estão agora em uma situação anormal. Deus não nos criou com
pecaminosidade, mas santos e retos. Adão e Eva no Jardim do Éden antes de
pecarem eram verdadeiramente seres humanos, e nós agora, embora humanos, não
correspondemos ao padrão que Deus pretende que tenhamos quando a nossa
humanidade sem pecado for plenamente restaurada.
A
verdade de que Jesus não pecou é ensinada muitas vezes no NT. Vemos que Satanás
foi incapaz de persuadir Jesus a pecar, após quarenta dias de tentação: “Tendo terminado
todas essas tentações, o Diabo o deixou até ocasião oportuna” (Lc 4.13).
Não vemos também nos evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) qualquer evidência de
algo errado feito por Jesus. Aos judeus que se lhe opunham, Jesus perguntou: “Qual de vocês pode
me acusar de algum pecado?” (Jo 8.46), e não obteve resposta alguma.
As
afirmações a respeito da impecabilidade de Jesus são mais explícitas no evangelho
de João. Jesus fez a estonteante proclamação: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8.12)
Se entendermos que a luz representa tanto a veracidade como a pureza moral,
então Jesus está afirmando categoricamente aqui ser a fonte da verdade e a
fonte da pureza moral e da santidade no mundo — uma afirmação assombrosa que poderia somente ser feita por alguém que
era livre do pecado. Além disso, com respeito à obediência ao seu Pai no
céu, ele disse: “pois
sempre faço o que lhe agrada” (Jo 8.29; o tempo presente do verbo dá o sentido
de atividade contínua, “eu sempre estou fazendo o que lhe é agradável”). No
final de sua vida, Jesus foi capaz de dizer: “[...] tenho obedecido aos mandamentos de meu
Pai e em seu amor permaneço” (Jo 15.10). É significativo que quando
Jesus foi posto no julgamento perante Pilatos, a despeito da acusação dos
judeus, Pilatos pode somente concluir: “Não acho nele motivo algum de acusação” (Jo 18.38).
Quando
Paulo fala de Jesus vindo para viver como um homem, ele tomou o cuidado de não
dizer que Jesus se tornou um “homem
pecador”, mas antes diz que Deus enviou o seu próprio Filho “à semelhança do
homem pecador, como oferta pelo pecado” (Rm 8.3). E ele se refere a
Jesus como “aquele
que não tinha pecado” (2Co 5.2 1). O autor de Hebreus afirma que
Jesus foi tentado, mas ao mesmo tempo insiste que ele não pecou: Jesus é aquele que
foi passou por todo tipo de tentação,porém, sem pecado”(Hb 4.15).
Ele é um sumo sacerdote que é “santo, inculpável, puro, separado dos pecadores, exaltado
acima dos céus” (Hb 7.26). Pedro fala de Jesus como “um cordeiro sem
defeito e sem defeito” (lPe 1.19), usando uma figura do AT para
afirmar que ele era livre de qualquer corrupção moral. Pedro afirma diretamente
que ele “não
cometeu pecado algum, e nenhum engano foi encontrado em sua boca” (lPe 2.22).
Quando Jesus morreu, foi “o justo pelos injustos, para conduzir-nos a Deus” (lPe
3.18). João, em sua primeira carta, chama Jesus Cristo de “o Justo” (lJo
2.1) e diz que “nele não há pecado” (lJo 3.5). É difícil negar,
então, que a impecabilidade de Cristo seja ensinada claramente nas seções mais
importantes do NT. Ele era verdadeiramente homem, todavia sem pecado.
O
fato de que Jesus passar “por todo tipo de tentação” (Hb 4.15) tem grande
significação para a nossa vida. Não importa quão difícil seja para compreender
isso, a Escritura afirma que nessas tentações Jesus adquiriu uma capacidade de
entender-nos e ajudar-nos em nossas tentações. “Porque, tendo em vista o que ele mesmo sofreu
quando tentado, ele é capaz de socorrer aqueles que também estão sendo
tentados” (Hb 2.18). O autor continua a conectar a capacidade de
Jesus de simpatizar-se com as nossas fraquezas ao fato de que ele foi tentado
como nos o somos: “pois não temos um sumo sacerdote que não possa
compadecer-se das nossas fraquezas, mas sim alguém que, como nós, passou por
todo tipo de tentação, porém, sem pecado. Assim, aproximemo-nos do trono da
graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos
graça que nos ajude no momento da necessidade” (Hb 4.15,16).
Isso tem implicações práticas para nós: em cada situação em que
estamos lutando com a tentação, devemos refletir sobre a vida de Cristo e
perguntar se não houve situações semelhantes que ele enfrentou. Geralmente,
após refletirmos por um pouco, seremos capazes de pensar a respeito de algumas
circunstâncias na vida de Cristo nas quais ele enfrentou tentações que, embora
não tenham sido iguais em cada detalhe, foram muito similares às situações que
enfrentamos cada dia.
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4.Jesus poderia
ter pecado? A
pergunta por vezes proposta é: “Era possível Cristo ter pecado?”.
Algumas pessoas argumentam pela impecabilidade de Cristo, com a palavra
impecabilidade significando “incapacidade
de pecar”. Outros contrapõem que, se Jesus não
fosse capaz de pecar, suas tentações não poderiam ter sido reais, pois como
pode a tentação ser real se a pessoa que é tentada não possui a capacidade de
pecar?
Para
responder a essa pergunta, devemos distinguir o que a Escritura claramente afirma,
de um lado, e, de outro, o que se relaciona mais com especulação de nossa
parte. 1) A Escritura afirma claramente que
Cristo na verdade nunca pecou (v. acima). Não deveria haver dúvida alguma em nossa
mente sobre esse fato. 2) A Escritura também
afirma claramente que Jesus foi tentado e que essas tentações foram tentações
reais (Lc 4.2).
Se cremos na Escritura, devemos insistir em que Cristo, “como nós, passou por todo tipo de tentação,
porém, sem pecado” (Hb 4.15). 3)
Também devemos afirmar com a Escritura que “Deus não pode ser tentado pelo mal” (Tg 1.13).
Mas aqui a questão se torna difícil: Se Jesus era plenamente Deus assim como
plenamente homem (e vamos argumentar a seguir que a Escritura clara e repetidamente
ensina isso), não devemos então afirmar que (em algum sentido) Jesus
também “não poderia ser tentado pelo
mal”?
Essas
afirmações explícitas da Escritura apresentam-nos um dilema semelhante a outros
dilemas doutrinários em que a Escritura parece ensinar coisas que são, se não
diretamente contraditórias, ao menos muito difíceis de se encaixar em nosso
entendimento. Nesse exemplo, realmente não temos uma contradição. A Escritura
não nos diz que “Jesus foi tentado”
e que “Jesus não foi tentado” (a contradição seria se “Jesus” e “tentado”
fossem usados exatamente no mesmo sentido em ambas as frases).A Bíblia nos
diz que “Jesus foi tentado”, que “era
plenamente homem”, que “era plenamente Deus” e que “Deus não pode ser tentado”.
Essa combinação de ensinos da Escritura deixa aberta a
possibilidade de que, à medida que entendemos o modo pelo qual a natureza
humana e a natureza divina de Jesus trabalham juntas, podemos entender um pouco
mais sobre o modo pelo qual ele pôde ser tentado em um sentido e, todavia, em
outro sentido, não pôde ser tentado. (Essa possibilidade será discutida mais
adiante).
Neste
momento, então, vamos além das afirmações claras da Escritura e tentamos
sugerir uma solução para o problema se Cristo poderia ter pecado. Mas é importante
reconhecer que a solução a seguir está mais ligada a métodos de combinação de
vários ensinos bíblicos e não é apoiada diretamente por afirmações explícitas
da Escritura. Com isso em mente, é adequado dizer o seguinte: 1) Se a
natureza humana de Jesus tivesse existido par si mesma, independentemente de
sua natureza divina, então ela teria sido uma natureza humana exatamente igual
àquela que Deus deu a Adão e Eva. Ela estaria livre de pecar, mas, apesar
disso, seria capaz de pecar. 2) Mas a natureza humana de Jesus nunca existiu
separadamente da união com a natureza divina. Desde o momento de sua concepção,
ele existiu como verdadeiramente Deus assim como verdadeiramente homem. Tanto
sua natureza humana quanto sua natureza divina estavam unidas em uma pessoa. 3)
Embora houvesse algumas coisas (como sentir fome, sede ou fraqueza)
que Jesus experimentou somente em sua natureza humana, coisas que não foram
experimentadas com sua natureza divina (v. a seguir), contudo pecar teria sido um
ato moral que certamente envolveria a pessoa total de Cristo. Portanto, se ele
houvesse pecado, teria havido o envolvimento das duas naturezas, divina e
humana. 4)
Mas se Jesus como pessoa houvesse pecado, envolvendo ambas as naturezas em
pecado, então o próprio Deus teria pecado e teria cessado de ser Deus. Todavia,
isso é claramente impossível por causa da santidade infinita da natureza de
Deus. 5)
Portanto, parece que, se perguntarmos sobre a real possibilidade de Jesus ter
pecado, devemos concluir que não seria possível. A união de suas naturezas,
divina e humana, em uma pessoa impediu que isso acontecesse.
Mas
a questão ainda permanece: “Como
poderiam então as tentações de Jesus ter sido reais?”. O exemplo da
tentação de transformar as pedras e pães é útil nesse caso. Jesus tinha a
capacidade, em virtude de sua natureza divina, de realizar tal milagre, mas, se
ele o tivesse feito, não mais teria sido obediente a Deus Pai unicamente na
força de sua natureza humana, mas teria falhado no teste em que Adão também
falhou e não teria obtido a salvação para nós. Entretanto, Jesus recusou-se a
contar com sua natureza divina para tornar a obediência mais fácil para ele. De
igual modo, parece apropriado concluir que Jesus enfrentou cada tentação para
pecar não por seu poder divino, mas unicamente na força de sua natureza humana (embora,
naturalmente, seu lado humano não estivesse sozinho, porque Jesus, exercendo a
espécie de fé que os seres humanos devem exercer, era perfeitamente dependente
de Deus Pai e do Espírito Santo em cada momento).A força moral de sua
natureza divina estava lá como uma espécie de “barreira” que evitava que ele pecasse (e, portanto, podemos dizer que
não era possível ele pecar), mas ele não contou com a força de sua
natureza divina para tornar mais fácil o processo de enfrentar as tentações, e
sua recusa em transformar as pedras em pães no começo do seu ministério é uma
indicação clara disso.
As
tentações foram então reais? Muitos teólogos têm salientado que somente quem resiste
vitoriosamente à tentação até o fim sente plenamente a força dessa tentação.
Exatamente como um halterofilista campeão que levanta sobre a cabeça o haltere
mais pesado no campeonato consegue sentir a força dele mais plenamente que quem
tenta levantá-lo e não consegue, assim qualquer cristão que enfrentou
vitoriosamente uma tentação até o fim sabe que isso é muito mais difícil que
simplesmente desistir de uma vez. Foi isso que aconteceu com Jesus: cada
tentação que ele enfrentou, permaneceu firme até o fim e triunfou sobre ela. As
tentações foram reais, muito embora ele não tenha cedido a elas — de fato, elas
foram muitíssimo reais porque ele não cedeu a elas.
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5. Por que era
necessária a plena humanidade de Jesus? Quando João escreveu sua primeira carta, um
ensino herético estava circulando na igreja dizendo que Cristo não era um
homem. Essa heresia ficou conhecida por docetismo, palavra que vem do verbo grego
dokeō (“o que aparenta”, “o que parece ser”). Essa doutrina sustenta
que Jesus não era realmente um homem, mas somente tinha a aparência de um
homem. Essa negação da verdade sobre a humanidade de Jesus foi tão séria que
João chegou a dizer que ela era uma doutrina do anticristo:
“Vocês
podem reconhecer o Espírito de Deus deste modo: todo espírito que confessa que
Jesus Crista veio em carne procede de Deus; mas todo espírito que não confessa
Jesus não procede de Deus. Esse é o espírito do anticristo, acerca do qual
vocês ouviram que está vindo, e agora já está no mundo” (lJo 4.2,3). O apóstolo João entendeu que a
negação da verdadeira humanidade de Jesus era a negação de algo que
representava o âmago do cristianismo, de forma que alguém que negasse que Jesus
havia vindo em carne poderia ser considerado como não procedente de Deus.
À
medida que percorremos o NT, podemos ver diversas razões pelas quais Jesus
tinha de ser plenamente homem para exercer as suas funções messiânicas e
merecer a nossa salvação. Duas das razões mais vitais são listadas a seguir:
A. Para exercer a obediência representativa. Como observamos no
capítulo sobre o pecado, Adão serviu como nosso representante no jardim do Éden
e, mediante sua desobediência, Deus considerou-nos culpados também. De modo
semelhante, Jesus foi nosso representante e obedeceu por nós onde Adão havia
desobedecido e falhado. Vemos isso no paralelo entre a tentação de Jesus (Lc 4.1-13)
e o tempo do teste de Adão e Eva no jardim (Gn 2.15—3.7). Isso também se reflete claramente
na discussão de Paulo do paralelo entre Adão e Cristo: “Conseqüentemente, assim como uma só
transgressão resultou na condenação de todos os homens, assim também um só ato
de justiça resultou na justificação que traz vida a todos os homens. Logo,
assim como por meio da desobediência de um só homem muitos foram feitos
pecadores, assim também, por meio da obediência de um único homem muitos serão
feitos justos” (Rm 5.18,19).
Essa
é a razão pela qual Paulo denomina Cristo “o último Adão” (1 Co 15.45), e também chama Adão
“o primeiro
homem” e Cristo “o segundo homem” (lCo 15.47). Jesus tinha de ser
um homem a fim de ser nosso representante e obedecer em nosso lugar.
B. Para oferecer o sacrifício substitutivo. Se Jesus não tivesse sido
um homem, não poderia ter morrido em nosso lugar e não poderia ter pago a
penalidade que nos era devida. O autor de Hebreus nos diz o seguinte: ”Pois é claro que
não é a anjos que ele ajuda, mas aos descendentes de Abraão. Por essa razão era
necessário que ele se tornasse semelhante a seus irmãos em todos os aspectos,
para se tornar sumo sacerdote misericordioso e fiel com relação a Deus, e fazer
propiciação pelos pecados do povo” (Hb 2.16,17; cf v.14). Jesus tinha de se
tornar um homem, não um anjo, porque Deus estava preocupado com a salvação de
homens, não de anjos. Mas, para fazer isso, “era necessário” que ele fosse feito igual a nós “em todos os aspectos”, para que
pudesse “fazer propiciação” por nós,
o sacrifício que é a substituição aceitável a nosso favor. A menos que Cristo
fosse plenamente homem, ele não poderia ter morrido para pagar a penalidade dos
pecados do homem, nem poderia ter realizado a sacrifício substitutivo por nós.
Há
também outras razões para a necessidade da humanidade de Jesus. Jesus tinha de
ser plenamente homem e plenamente Deus para cumprir o papel de mediador entre
Deus e o homem
(cf. lTm 2.5). O fato de que Jesus foi um homem e experimentou
tentações capacitou-o a simpatizar mais plenamente conosco como nosso “sumo sacerdote”
(Hb 2.18; cf. 4.15).A humanidade de Jesus proporciona exemplo e
padrão para nossa vida (cf. lJo 2.6; lPe 2.21). Todas essas razões
ressaltam a importância vital de afirmar que Jesus não era apenas plenamente Deus,
mas também era plenamente homem e, assim, tornou-se capaz de assegurar
plenamente nossa salvação.
B. A divindade de
Cristo
Para
completar o ensino bíblico sobre Jesus Cristo, devemos afirmar não somente que
ele era plenamente homem, mas também que era plenamente divino. Embora a
palavra não ocorra explicitamente na Escritura, a igreja tem usado o termo
encarnação para referir-se ao fato de que Jesus era Deus vindo em carne. A
encarnação foi o ato de Deus Filho pelo qual ele assumiu para si a natureza
humana. A prova escriturística da divindade de Cristo é bastante ampla no NT.
Nós a examinaremos sob diversas categorias.
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1. Declarações
diretas da Escritura.
Nesta seção vamos examinar as afirmações
diretas da Escritura de que Jesus é Deus ou de que ele é divino.
A. A Palavra Deus (theos)
usada com relação a Cristo. Embora a palavra theos, “Deus”, seja regularmente reservada no NT para Deus Pai, há
no entanto diversas passagens em que ela é usada também para referir-se a Jesus
Cristo. Em todas essas passagens a palavra “Deus” é usada em um sentido forte
para referir-se àquele que é criador do céu e da terra, o governante sobre
todas as coisas. Essas passagens incluem João 1.1; 1.18 (nos melhores e mais antigos manuscritos); 20.28; Romanos
9.5; Tito 2.13; Hebreus 1.8 (citando Sl 45.6); e 2Pedro 1.1. Como
algumas passagens já foram discutidas em detalhes no capítulo sobre a Trindade,
a discussão não será repetida aqui. É suficiente observar que há ao menos sete
passagens claras no NT que se referem explicitamente a Jesus como Deus.
Um
exemplo do AT do nome Deus aplicado a Cristo é visto em uma passagem messiânica
que nos é muito familiar: “Porque um menino nos nasceu, um filho nas foi dado, e o
governo está sobre os seus ombros. E ele será chamado Maravilhoso Conselheiro,
Deus Poderoso...” (Is 9.6).
B. A palavra Senhor (kyrios)
usada com relação a Cristo. Às vezes a palavra Senhor (gr., kyrios) é usada
simplesmente como referência polida a um superior, que se aproxima do nosso
tratamento respeitoso a uma pessoa mais velha ou em posição superior à nossa (v. Mt 13.27;
21.30; 27.63; Jo 4.11). Em outras ocasiões essa palavra pode
significar simplesmente o “senhor” de
um servo ou escravo (Mt 6.24; 2 1.40). Todavia, a mesma palavra é
também usada na Septuaginta (a tradução grega do AT, que era regularmente
usada no tempo de Cristo) como uma tradução da palavra hebraica YHWH’, Iavé, ou “o SENHOR” (como é muitas vezes traduzida em muitas
versões).A palavra kyrios é usada para traduzir o nome de
Deus 6.814 vezes na versão grega do AT. Portanto, qualquer leitor de fala grega
no tempo do NT que possuísse algum conhecimento de AT em grego teria
reconhecido que, nos contextos onde fosse apropriado, a palavra Senhor era o
nome do criador e sustentador dos céus e da terra, o Deus onipotente.
Há
muitos exemplos no NT em que a palavra “Senhor”
em referência a Cristo pode ser entendida como possuindo o sentido forte que o
AT lhe empresta, “o SENHOR”, que é lave ou
o próprio Deus. Esse uso da palavra “Senhor”
é muito impressionante na afirmação do anjo aos pastares de Belém: “Hoje, na cidade
de Davi, lhes nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2.11).
Embora essas palavras nos sejam familiares pelo uso freqüente que fazemos delas
no período do Natal, devemos perceber quão surpreendentes elas foram para o
judeu do século I que as ouviu: um bebê sendo chamado “o Cristo” (ou “Messias”) e, além
disso, esse Messias sendo também “o
Senhor” — isto é, o próprio Senhor
Deus!
Vemos
outro exemplo quando Mateus diz que João Batista é quem clama no deserto: “Preparem o
caminho para o Senhor, façam veredas retas para ele” (Mt 3.3). João
está citando Isaías
40.3, que fala a respeito do próprio Senhor Deus manifesto entre seu
povo. Mas o contexto aplica essa passagem ao papel de João de preparar o
caminho para a chegada de Jesus. A conclusão é que, quando Jesus viesse, seria
o próprio Senhor quem viria.
Jesus
também identifica-se como o Senhor soberano do AT quando pergunta aos fariseus,
sobre Salmos
110.1: “‘O Senhor disse ao meu Senhor: Senta-te à minha direita, até que eu
ponha os teus inimigos debaixo de teus pés”’(Mt 22.44). A força
dessa afirmação é que “Deus Pai disse a Deus Filho (o
Senhor de Davi): ‘Senta-te à minha direita...”’. Os fariseus sabiam que
ele estava falando a respeito de si próprio e identificando-se como alguém
digno do título Kyrios (“Senhor”), muito próprio do AT.
Tal
uso é muitas vezes visto nas Cartas, onde “o
Senhor” é o nome comum para se referir a Cristo. Paulo diz: “para nós, porém,
há um único Deus, o Pai, de quem vêm todas as coisas e para quem vivemos; e um
só Senhor, Jesus Cristo, por meio de quem vieram todas as coisas e por meio de
quem vivemos” (lCo 8.6; cf. 12.3, e muitas outras passagens tanto nas cartas de
Paulo como nas gerais).
C. Outras
declarações fortes da divindade de Cristo. Além do uso das palavras
Deus e Senhor para se referir a Cristo, temos outras passagens que declaram
fortemente a divindade de Cristo. Quando Jesus disse aos seus oponentes judeus
que Abraão tinha visto o seu (de Cristo) dia, eles o desafiaram dizendo: “Você ainda não
tem cinqüenta anos, e via Abraão?” (Jo 8.57). Aqui a resposta
suficiente para provar a eternidade de Jesus teria sido: “Antes de Abraão existir, eu já existia”.
Mas Jesus não disse isso. Ao contrário, ele fez uma
afirmação ainda mais surpreendente: “Eu lhes afirmo que antes de Abraão nascer, Eu Sou!” (Jo
8.58). Jesus combinou duas asserções cuja seqüência parecia não
fazer sentido: “Antes de alguma coisa ter acontecido no
passado [Abraão era], alguma coisa no presente acontecia [Eu Sou]”. Os
líderes judeus reconheceram de uma vez por todas que ele não estava falando por
enigmas nem estava fazendo qualquer pronunciamento sem sentido. Quando ele
disse “Eu Sou”,
estava repetindo as verdadeiras palavras que Deus usou quando se identificou
diante de Moisés como “Eu Sou o que Sou” (Ex 3.14). Jesus estava
requerendo para si próprio o título “Eu
Sou”, pelo qual Deus se autodesignou o eterno auto-existente, o Deus que é
a fonte da própria existência e que sempre tem sido e sempre será. Quando os
judeus ouviram essa afirmação incomum, enfática e solene, sabiam que Jesus
estava afirmando ser Deus. “Então eles apanharam pedras para apedrejá-lo, mas Jesus
escondeu-se e saiu do templo” (Jo 8.59).
Outra
declaração vigorosa da divindade de Jesus é sua afirmação no final do Apocalipse:
“Eu sou o Alfa e
o Ômega,o Primeiro e o Ultimo, o Princípio e o Fim” (Ap 22.13).Quando
combinada com a afirmação de Deus Pai em Apocalipse 1.8 (“Eu sou o Alfa e o Ômega”), ela
também constitui forte declaração para mostrar divindade igual à de Deus Pai.
Soberano sobre a totalidade da história e sobre toda a criação, Jesus é o
Princípio e o Fim.
Evidência
adicional de afirmações da divindade pode ser encontrada no fato de que Jesus
chama a si mesmo de “o Filho do homem”. Esse
título é usado 84 vezes nos quatro evangelhos, mas somente por Jesus e somente
para falar de si próprio (observe. Mt 16.13 com Lc 9.18). No restante do NT, a expressão “o Filho do homem” (com o artigo definido “o”) é usada somente uma vez, em Atos 7.56,
quando Estevão se refere a Cristo como “o Filho do homem”. Esse termo singular tem seu pano de fundo na visão de Daniel 7, quando Daniel viu alguém semelhante a um “filho de homem” que “se aproximou do ancião” [“Ancião de Dias’, RA] e a quem
foram dados “autoridade, glória e o reino; todos os povos, nações e homens de
todas as línguas o adoraram. Seu domínio é um domínio eterno que não acabará, e
seu reino jamais será destruído” (Dn 7.13,14). É admirável que esse “filho do homem” tenha vindo “com as nuvens dos céus” (Dn 7.13). Essa passagem fala claramente de alguém que possuía origem
celestial e a quem foi dado domínio eterno sobre todos os povos. O sumo
sacerdote entendeu muito bem quando Jesus disse: “Chegará o dia em que vereis o Filho do homem
assentado à direita do Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu” (Mt 26.64). A referência a Daniel 7.13,14 é
inconfundível, e o sumo sacerdote e seus companheiros sabiam que Jesus estava
afirmando ser o eterno governante do inundo, de origem celestial, referido na
visão de Daniel. Imediatamente eles disseram: “‘Blasfemou! [...] O que acham?”É réu de
morte!’, responderam eles” (Mt 26.65,66). Aqui
Jesus finalmente tornou explícita sua forte alegação de ser o eterno governante
do mundo que ficara anteriormente subentendida pelo freqüente uso do título “o Filho do homem” aplicado a si próprio.
Embora o título “Filho de
Deus” possa algumas vezes ser usado simplesmente para referir-se a Israel (Mt 2.15), ou ao homem criado por Deus (Lc
2.38), ou ao homem redimido em geral (Rm
8.14,19,23), há todavia exemplos em que a expressão “Filho
de Deus” se refere a Jesus como o Filho eterno e celestial que é igual ao
próprio Deus (v. Mt 11.25-30;
17.5; lCo 15.28; Hb 1.1-3,5,8). Isso é especialmente verdadeiro no evangelho de João, no qual Jesus
é visto como Filho singular do Pai (Jo 1.14,18,34,49) que revela
plenamente o Pai (Jo 8.19; 14.9). Como Filho ele é tão
grande que podemos confiar nele para a vida eterna (algo
que não poderia ser dito de nenhum ser criado: Jo 3.16,36: 20.3 1). Ele é também quem
tem toda a autoridade do Pai para dar vida, pronunciar julgamento eterno e
governar sobre tudo (Jo 3.36;
5.20-22,25; 10.17; 16.15). Como Filho ele foi enviado pelo Pai e, portanto,
existia desde antes de vir ao mundo
(Jo 3.37; 5.23;
10.36).
Essas passagens combinam-se para indicar que o título “Filho de Deus” quando aplicado a Cristo
afirma fortemente sua divindade como o Filho eterno na Trindade, igual a Deus
Pai em todos os atributos.
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2. Evidência de
que Jesus possuía atributos da divindade. Somando-se à afirmação específica da divindade de
Jesus observada nas diversas passagens citadas anteriormente, vemos muitos
exemplos das ações de Jesus no tempo em que viveu entre nós que demonstram seu
caráter divino.
a)
Jesus demonstrou sua onipotência quando acalmou a tempestade no mar com apenas
uma ordem (Mt 8.26,27), multiplicou pães e peixes (Mt 14.19) e transformou água
em vinho (Jo 2.1-11).
b) Jesus declarou
sua eternidade quando disse:
“Eu lhes afirmo
que antes de Abraão nascer, Eu Sou!” (Jo 8.58,v. discussão anterior),
ou quando disse: “Eu sou o Alfa e o Ômega” (Ap 22.13).
c) A onisciência
de Jesus é demonstrada pelo conhecimento do pensamento das pessoas (Mc 2.8)
e por saber “desde
o princípio quais deles não criam e quem o iria trair” (Jo 6.64). O
conhecimento de Jesus era muito mais amplo que a revelação de informação que as
pessoas poderiam receber por meio do ofício profético, porque ele mesmo
conhecia a crença e a descrença que estava no coração de todas as pessoas (v. Jo 2.25;
16.30).
d) O atributo da
onipresença divina de Jesus não é afirmado diretamente durante seu ministério
terreno.
Contudo, enquanto olhava para o tempo em que a igreja seria estabelecida, Jesus
pôde dizer: “Pois
onde se reunirem dois ou três em meu nome, ali eu estou no meio deles” (Mt
18.20). Além disso, antes de deixar este mundo, ele disse aos seus
discípulos: “E
eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos” (Mt 28.20).
e) A soberania
divina, espécie de autoridade possuída por Deus somente, é vista no fato de que
ele podia perdoar pecados (Mc 2.5-7). Diferentemente dos profetas do
AT que declararam:
“Assim
diz O SENHOR”,
ele pôde prefaciar suas afirmações com a frase “Mas eu lhes digo” (Mt 5.22,28,32,34,39,44) – alegação espantosa de sua autoridade. Ele pôde
falar com autoridade do próprio Deus porque ele era plenamente Deus.
f) Outra
afirmação clara da divindade de Crista é o fato de ser contado digna de adoração,
algo que não pertence a nenhuma outra criatura, incluindo anjos (v. Ap 19.10), mas somente a Deus. Todavia, a
Escritura diz de Cristo que “Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que
está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos
céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o
Senhor, para a glória de Deus Pai” (Fp 2.9-11). Semelhantemente, Deus
ordena aos anjos que adorem Cristo, pois lemos: “E ainda, quando Deus introduz o Primogênito
no mundo, diz: ‘Todas os anjos de Deus o adorem”’ (Hb 1.6).
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3. Jesus abriu
mão de alguns de seus atributos divinos enquanto viveu neste mundo (a teoria da
kenosis)?
Paulo escreve aos filipenses: “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que,
embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus ra algo a que devia
apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se
semelhante aos homens” (Fp 2.5-7). Começando por esse texto,
diversos teólogos do século XIX advogaram uma idéia inesperada da encarnação
chamada “teoria da kenosis”, que
sustenta que Cristo abriu mão de alguns de seus atributos divinos enquanto
esteve neste mundo como homem. (A palavra kenosis é emprestada do verbo grego kenoō, que
geralmente significa “esvaziar”, e é traduzido por “esvaziou-se” em Fp 2.7.) Segundo
essa teoria, Cristo “esvaziou-se” de alguns de seus
atributos divinos como onisciência, onipresença e onipotência enquanto
esteve sobre a terra como homem. Isso foi visto como a autolimitação voluntária
da parte de Cristo, que ele assumiu a fim de realizar a obra de redenção.
Apos
o exame mais preciso, podemos ver que Filipenses 2.7 não diz que Cristo “esvaziou-se de alguns poderes” ou que “esvaziou-se de atributos divinos”,
ou coisa parecida. Antes o texto descreve o que Jesus fez nesse “esvaziamento”. Ele não se esvaziou por
abrir mão de qualquer de seus atributos, mas por vir “a ser servo”, isto é, por passar a viver como homem e, a ser “encontrado em
forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, morte de
cruz!” (Fp 2.8). Assim, o contexto interpreta o “esvaziamento” como equivalente a “humilhou-se a si mesmo”, assumindo
uma posição ou condição mais baixa. O esvaziamento inclui o papel e a posição,
não os atributos essenciais ou a natureza. Isso significa que ele assumiu uma
condição humilde.
O
contexto mais amplo dessa passagem também torna essa interpretação clara. O
propósito de Paulo era o de persuadir os filipenses de que eles não deveriam fazer
nada “por
ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores
a si mesmos” (Fp 2.3), e continua lhes dizendo: “Cada um cuide, não somente dos seus interesses,
mas também dos interesses dos outros” (Fp 2.4). Para persuadi-los a
ser humildes e a colocar os interesses dos outros em primeiro lugar, Paulo,
então, aponta para Cristo como exemplo supremo de alguém que fez exatamente
isso: ele colocou os interesses dos outros primeiro e desejou abrir mão de
alguns privilégios e posição que eram seus como Deus. Paulo quer que os filipenses
imitem Cristo. Mas certamente não está pedindo aos cristãos filipenses para “abrirem mão” ou “colocarem de lado”
quaisquer de suas capacidades ou atributos que lhes eram essenciais! Ele não
lhes pede que abrissem mão de sua inteligência ou força ou capacidade e que se
tornassem uma versão diminuída do que realmente eram. Ao contrário, ele lhes
pediu para colocar os interesses dos outros em primeiro lugar: ‘Cada um cuide,
não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros” (Fp
2.4).
Portanto,
o melhor entendimento desta passagem é que ela fala a respeito de Jesus abrindo
mão da posição e do privilegio que foram seus no céu: Ele, “embora sendo Deus, não considerou que o ser
igual a Deus era sigo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo” ou
“humilhou-se”, e
veio viver como homem. Jesus fala em outra passagem da “glória” que tinha como Pai “antes que o mundo
existi-se” (Jo 17.5), glória da qual abriu mão e que haveria
de receber de volta quando retornasse ao céu. E Paulo podia falar de Cristo
que, “sendo
rico, se fez pobre por amor de vocês” (2Co 8.9), discorrendo uma vez
mais sobre o privilégio e honra que merecia, porém dos quais temporariamente
abriu mão por nós.
A
“teoria da kenosis”, portanto, não é
o entendimento correto de Filipenses 2.5-7. De fato, se a teoria da kenosis
fosse verdadeira (e essa é a objeção fundamental contra ela), então não mais
poderíamos afirmar que Jesus tenha sido plenamente Deus enquanto esteve aqui neste
mundo.A teoria da kenosis definitivamente nega a plena divindade de Jesus Cristo
e o faz algo menos que plenamente Deus.
4. Conclusão: Cristo é plenamente divino. O NT afirma continuamente a
plena e absoluta divindade de Jesus Cristo. Ele faz isso em centenas de
versículos explícitos que chamam Jesus “Deus”, ”Senhor” e “Filho de Deus”, assim como em
muitos versículos que usam outros títulos da divindade para referir-se a ele e
em uma série de passagens que lhe atribuem ações ou palavras que poderiam ser
verdadeiras a respeito de Deus.”Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a
plenitude” (Cl 1.19). “Pois em Crista habita corporalmente toda a plenitude da
divindade” (Cl 2.9). Em uma seção anterior argumentamos que Jesus é
verdadeira e plenamente homem. Agora concluímos que é também verdadeira e
plenamente Deus. Ele é chamado corretamente “Emanuel”, isto é, “Deus conosco” (Mt 1.23).
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5. Por que a divindade
de Jesus era necessária?
Na seção anterior, listamos diversas razões por que foi necessário Jesus ser
plenamente homem a fim de obter a nossa redenção. Aqui é conveniente reconhecer
que é crucialmente importante insistir também na plena divindade de Cristo, não
apenas porque ela é claramente ensinada na Escritura, mas também porque: 1) somente o Deus infinito poderia
suportar a plena penalidade de todos os pecados dos que haveriam de crer nele —
qualquer criatura finita teria sido incapaz de suportar tal penalidade; 2) a salvação é do Senhor (Jn 2.9),
e a mensagem total da Escritura tem o propósito de mostrar que nenhum ser
humano nem nenhuma criatura poderia salvar o homem — somente o próprio Deus; e 3) somente
quem fosse plena e verdadeiramente Deus poderia ser o único mediador entre Deus
e o homem (lTm
2.5), tanto para trazer-nos de volta a Deus como para revelar-nos
Deus mais completamente (Jo 14.9).
Assim,
se Jesus não é plenamente Deus, não temos salvação e definitivamente nenhum
cristianismo. Não é por acaso que no decorrer da história os grupos que abriram
mão da crença na plena divindade de Cristo não permaneceram dentro da fé
cristã, mas logo se apartaram para urna espécie de religião representada pela
unitarismo nos Estados Unidos e em outras lugares. “‘Fado o que nega o Filho também não tem o
Pai” (lJo 2.23).”Todo aquele que não permanece no ensino de Cristo, mas vai
além dele, não tem Deus; quem permanece no ensino tema Pai e também o Filho”
(2Jo 9).
C. A encarnação:
divindade e humanidade na pessoa única de Cristo
O
ensina bíblico a respeito da plena divindade e plena humanidade de Crista é tão
amplo que ambas têm sido aceitas desde os tempos mais antigos da história da
igreja. Mas o entendimento exato de como a plena divindade e plena humanidade
poderiam ser combinadas em uma só pessoa foi formulado gradualmente na igreja e
não alcançou a forma final senão na Definição de Calcedónia, em 451 d.C. Antes desse período, diversas posições
inadequadas da pessoa de Cristo foram propostas e a seguir rejeitadas. Uma
dessas visões, o arianismo, que
sustentava que Jesus não era plenamente divino, foi discutida anteriormente no
capítulo sobre a doutrina da Trindade. Mas três outras idéias que foram
finalmente rejeitadas como heréticas devem ser mencionadas neste momento.
1. Três idéias
inadequadas da pessoa de Cristo.
a. Apolinarismo. Apolinário, que tornou-se bispo de Laodicéia por
volta de 361 d.C., ensinou que a pessoa única de Cristo possuía um corpo
humano, mas não uma mente humana ou espírito humano, e que a mente e o espírito
de Cristo provinham da natureza divina do Filho de Deus.
Mas
as idéias de Apolinário foram rejeitadas pelos líderes da igreja naquela época,
que perceberam que não era somente o corpo humano que necessitava de salvação e
de ser representado por Cristo na obra redentora, mas também a mente e o
espírito (ou alma) humanos: Cristo tinha de ser plena e verdadeiramente homem
se ele fosse nos salvar (He 2.17). O apolinarismo foi rejeitado por diversos concílios
eclesiásticos, desde o Concílio de Alexandria em 362 d.C. ao Concílio de
Constantinopla em 381 d.C.
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b. Nestorianismo.
O
nestcrianismo é a doutrina que ensinava a existência de duas pessoas separadas
em Cristo, uma humana e uma divina, ensino distinto da visão bíblica de que
Jesus era somente uma pessoa.
Nestório
era um pregador popular em Antioquia que em 428 dC. tornou-se bispo de
Constantinopla. Embora o próprio Nestório provavelmente nunca tenha ensinado
essa posição herética que leva o seu nome (a idéia de que Cristo era duas
pessoas em um corpo, e não uma só pessoa), por causa de uma combinação de
diversos conflitos pessoais e de boa dose de política eclesiástica, ele foi
deposto do seu ofício de bispo e seus ensinos foram condenados.
É
importante entender por que a igreja não pode aceitar a idéia de que em Cristo
havia duas pessoas distintas. Em nenhum lugar da Escritura existe a indicação
real de que a natureza humana de Cristo, por exemplo, é uma pessoa
independente, decidindo fazer algo contrário à natureza divina de Cristo. Em
nenhum lugar temos a indicação das naturezas humana e divina conversando uma
com a outra, ou travando luta dentro de Cristo, ou fazendo outra coisa qualquer.
Ao contrário, temos o quadro coerente de uma única pessoa agindo em sua totalidade
e unidade. Jesus sempre fala como eu não como nós, embora possa referir-se a si
mesmo e ao Pai como “nós” (Jo 14.23).A
Bíblia sempre fala de Jesus como “ele”, não como “eles”. E, embora passamos algumas vezes distinguir ações de sua
natureza divina e ações de sua natureza humana a fim de ajudar-nos a entender
algumas das afirmações e ações registradas na Escritura, a Bíblia não diz que “por meio da natureza humana Jesus fez
isto” ou que “por meio de sua natureza divina Jesus fez aquilo”, como se
fossem duas pessoas separadas, mas sempre fala a respeito do que a pessoa de
Cristo fez. Portanto, a igreja continuou a insistir no fato de que Jesus era
uma só pessoa, embora possuísse tanto a natureza humana quanto a natureza
divina.
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c. Monofisismo (eutiquismo) .
A
terceira idéia inadequada de Cristo é chamada monofisismo, a idéia de que Cristo
possuía uma só natureza (gr., monos,”uma”, e physis,”natureza”).
O primeiro defensor dessa idéia na igreja primitiva foi Êutico (378-454 d.C.),
que era o líder de um monastério em Constantinopla. Êutico ensinava um erro aposto ao do nestorianismo,
pois negava que a natureza humana e a natureza divina em Cristo tivessem
permanecido plenamente humana e plenamente divina. Ele sustentava, antes, que a
natureza humana de Cristo foi tomada e absorvida pela natureza divina, de modo
que ambas as naturezas foram mudadas em algum grau, resultando em uma espécie
de terceira natureza. Uma analogia ao eutiquismo pode ser vista se
pingamos uma gota de tinta em um copo de água. A mistura resultante não é nem
pura tinta nem pura água, mas uma espécie de terceira substância, a mistura das
duas na qual tanto a tinta como a água são mudadas. Semelhantemente, Êutico
ensinava que Jesus era a mistura de elementos divinos e humanos na qual ambas
as naturezas foram em algum sentido modificadas para formar uma nova natureza.
O
monofisismo também causou grande preocupação na igreja, porque, segundo essa
doutrina, Cristo não era nem verdadeiramente Deus nem verdadeiramente homem.
Assim, ele não poderia verdadeiramente representar-nos como homem nem poderia ser
verdadeiro Deus e capaz de obter nossa salvação.
2. A solução para
a controvérsia. A Definição de Calcedônia em 451 d.C.
A
fim de tentar resolver os problemas levantados pelas controvérsias sobre a
pessoa de Cristo, um grande concilio eclesiástico foi convocado para se reunir
na cidade de Calcedônia, próxima de Constantinopla (ou a moderna Istambul), de
8 de outubro a 10 de novembro, em 451 d.C. A afirmação resultante, chamada
Definição de Calcedônia, posicionou-se contra o apolinarismo, o nestorianismo
e o eutiquismo. Ela é considerada a
definição padrão da ortodoxia do ensino bíblico sobre a pessoa de Cristo desde
aquela época por todos os grandes ramos do cristianismo: o catolicismo, o
protestantismo e a ortodoxia oriental.
A afirmação não é
longa, e podemos citá-la em sua totalidade:
[Fiéis aos santos pais, todos nós, perfeitamente unânimes,
ensinamos que se deve confessar um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo,
perfeito quanto à divindade e perfeito quanto à humanidade, verdadeiramente
Deus e verdadeiramente homem, constando de alma racional e de corpo;
consubstancial [homoousios] ao Pai, segundo a divindade, e consubstancial a
nós, segundo a humanidade; “em todas as coisas semelhante a nós, excetuando o
pecado”, gerado, segundo a divindade, antes dos séculos pelo Pai e, segundo a
humanidade, por nós e para nossa salvação, gerado da Virgem Maria, mãe de Deus
[TheotóKos] . Um só e mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que se deve
confessar, em duas naturezas, inconfundíveis e imutáveis, conseparáveis e indivisíveis.A
distinção de naturezas de modo algum é anulada pela união, mas, pelo contrário,
as propriedades de cada natureza permanecem intactas, concorrendo para formar
uma só pessoa e subsistência (hypostasis); não dividido ou separado em duas pessoas,
mas um só e mesmo Filho Unigênito, Deus Verbo, Jesus Cristo Senhor, conforme os
profetas outrora a seu respeito testemunharam, e o mesmo Jesus Cristo nos
ensinou e o credo dos padres nos transmitiu.]
Contra
o pensamento de Apolinário de que Cristo não
teve uma mente humana ou alma, temos a afirmação de que ele era
“verdadeiramente homem, constando de uma alma racional e de corpo [...]
consubstancial a nós, segundo a humanidade; em todas as coisas semelhante a
nós...”.
Em
oposição ao pensamento do nestorianismo de que
Cristo era duas pessoas unidas em um corpo, temos as palavras “inconfundíveis e
imutáveis.., concorrendo para formar uma só pessoa e subsistência (hypostasis); não dividido ou separado
em duas pessoas”.
Contra
o pensamento do eutiquismo
de que Cristo
tinha somente uma natureza e que sua natureza humana perdeu-se na união com a
natureza divina, temos as palavras “em duas naturezas, inconfundíveis e
imutáveis, conseparáveis e indivisíveis. A distinção de naturezas de modo algum
é anulada pela união, mas, pelo contrário, as propriedades de cada natureza
permanecem intactas”. As naturezas divina e humana não foram alteradas quando
Cristo se tornou homem, mas a natureza humana permaneceu verdadeiramente
humana, e a natureza divina permaneceu verdadeiramente divina.
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3. Combinação de
textos específicos sobre a divindade e a humanidade de Cristo. Quando examinamos o NT, como
fizemos anteriormente nas seções sabre a humanidade e a divindade de Cristo, há
diversas passagens que parecem difíceis de harmonizar. (Como poderia Jesus ser
onipotente e, todavia, fraca? Coma poderia deixar o mundo e, ainda assim, estar
presente em toda a parte? Como poderia aprender coisas e, no entanto, ser
onisciente?) À medida que a igreja lutava para entender esses ensinos,
finalmente apareceu a Definição de Calcedônia, que falava das duas naturezas
distintas em Cristo que retêm sua propriedades características e que, todavia,
permanecem juntas em uma só pessoa. Essa distinção, que nos ajuda em nosso
entendimento das passagens bíblicas mencionadas anteriormente, também parece
ser exigida por essas passagens.
a. Uma natureza faz
algumas coisas que a outra natureza não faz. Se quisermos afirmar a Definição
de Calcedônia a respeito das “propriedades
de cada natureza permanecendo intactas” na pessoa de Cristo, é necessário
distinguir entre as coisas feitas pela natureza humana de Cristo, mas não pela
natureza divina, ou por natureza divina, mas não por sua natureza humana.
Por
exemplo, quando falamos a respeito da natureza humana de Jesus, podemos dizer
que ele ascendeu ao céu e não mais está no mundo (Jo 16.28; 17.11; At 1.9-11). Mas,
com respeito à sua natureza divina, podemos dizer que Jesus está presente em
toda parte: “Pois ande se reunirem dois ou três em meu
nome, ali eu estou no meio deles” (Mt 18.20). “E eu estarei sempre com vocês,
até afim dos tempos” (Mt 28.20).”Se alguém me ama, obedecerá à minha palavra.
Meu Pai o amará, nós viremos a ele e faremos morada nele” (Jo 14.23). Assim,
podemos dizer que ambas as coisas são verdadeiras a respeito da pessoa de Cristo
— ele retornou ao céu e esta presente conosco.
Semelhantemente,
podemos dizer que Jesus tinha 30 anos de idade (Lc 3.23) se falamos de sua
natureza humana, mas que ele existia eternamente (Jo 1.1,2; 8.58) se estamos falando
de sua natureza divina.
Segundo
a natureza humana Jesus era fraco e se cansava (Mt .1.2; 8.24; Mc 15.2 1; Jo 4.6), mas
em sua natureza divina ele era onipotente (Mt 8.26,27; Cl 1.17; H 1.3). Particularmente
notável e a cena do mar da Galiléia, quando Jesus estava dormindo na popa do
barco, presumivelmente porque estava cansada (Mt 8.24). Mas acordou do seu sono
e acalmou o vento e o mar apenas com uma palavra (Mt 8.26,27)! Cansado e, todavia, onipotente! Aqui a fraqueza da natureza humana de
Jesus encobriu completamente sua onipotência até que a onipotência surgiu com a
palavra soberana de quem é Senhor do céu e da terra.
De
modo semelhante, podemos entender que, em sua natureza humana, Jesus morreu (Lc 23.46; lCo
15.3). Já com respeito à natureza divina, ele mio morreu, mas era
capaz de ressurgir dos mortos (Jo 2.19; 10.17,18; Hb 7.16). Todavia, aqui devemos fazer uma observação cautelosa: é verdade que,
quando Jesus morreu, o seu corpo físico morreu e sua alma humana (ou espírito)
foi separada do corpo, indo para a presença de Deus Pai no céu (Lc 23.43,46).
Desse modo ele experimentou a morte que é igual àquela que nós, como crentes,
experimentaremos se morrermos antes de Cristo retornar. Não é correto dizer que
a natureza humana de Jesus morreu, ou que poderia morrer, se “morrer” significa
a cessação de atividade, a cessação de consciência ou a diminuição de poder.
Não obstante, em virtude união com a natureza humana, a natureza divina de
Jesus de certa forma provou alguma coisa que acontece quando se morre. A pessoa
de Cristo experimentou a morte. Alem do mais, parece difícil entender como a
natureza humana de Jesus poderia sozinha ter suportado a ira de Deus por causa dos
pecados de milhões de pessoas. Parece que a natureza divina de Jesus teve
alguma participação em suportar a ira divina contra o pecado que era devido a
nós (embora a Escritura em nenhum lugar afirme explicitamente isso). Portanto
muito embora a natureza divina de Cristo não tenha realmente morrido, Jesus
atravessou a experiência da morte como uma pessoa total, e tanto a natureza
humana como a divina de algum modo partilharam dessa experiência. Além disto, a
Escritura não nos capacita a dizer mais nada.
A
distinção entre as naturezas divina e humana de Jesus também nos ajuda a
entender as tentações de Jesus. Com respeito à natureza humana, ele certamente
foi tentado de cada forma, como nós somos, todavia sem pecado (Hb 4.15).
Com respeito à natureza divina, contudo, ele não foi tentado, parque Deus não
pode ser tentado pela mal (Tg 1.13).
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b. Qualquer coisa
que uma natureza venha a fazer, é a pessoa de Cristo que faz. Na seção anterior, mencionei
uma série de coisas que foram feitas por uma natureza, mas não pela outra, na
pessoa de Cristo. Agora devemos afirmar que qualquer coisa que seja verdadeira
sobre a natureza divina ou sobre a natureza humana é verdadeira sobre a pessoa
de Cristo. Assim,
Jesus disse: “antes de Abraão nascer, Eu Sou” (Jo 8.58). Ele não
disse: “Antes de Abraão nascer, minha
natureza divina já existia”, porque ele é livre para falar a respeito de
qualquer coisa feita unicamente pela natureza divina ou unicamente pela
natureza humana como algo que ele (a pessoa) fez.
Na
esfera humana, isso certamente também se aplica ao nosso discurso. Se eu escrevo
uma carta, mesmo que meus pés e artelhos não tenham nada que ver com o ato de
escrevê-la, não posso dizer às pessoas: “Meus
dedos digitaram essa carta no computador, e meus artelhos não tiveram nada que
ver com ela” (embora isso seja verdade). Antes, digo às pessoas: “Eu digitei
uma carta”. Isso é verdadeira porque qualquer coisa que é feita por uma parte
de mim é feita por mim.
Assim,
”Cristo morreu
pelos nossos pecados” (1 Co 15.3). Embora realmente somente seu corpo
humano tenha cessado de viver e de funcionar, no entanto foi a pessoa de Cristo
que morreu pelo nosso pecado. Esse é simplesmente um meio de afirmar que
qualquer coisa que possa ser dito de uma natureza ou de outra pode ser dito da
pessoa de Cristo.
Portanto,
é correto Jesus dizer: “agora deixo o mundo” (Jo 16.28) ou “não ficarei mais
no mundo” (Jo 17.11), mas o mesmo tempo dizer: “E eu estarei sempre com vocês” (Mt 28.20).
Qualquer
coisa feita por uma natureza ou outra é feita pela pessoa de Cristo.
c. Conclusão. No final desta longa discussão, pode ser fácil
perdermos de vista a que é realmente ensinado na Escritura: o mais impressionante
milagre de toda a Bíblia — mais espantoso que a ressurreição, e mesmo mais
espantoso que a criação do universo, O fato de que o Filho de Deus infinito,
onipotente e eterno tornou-se homem e juntou-se à natureza humana para sempre,
de modo que o Deus infinito se tornou uma pessoa com a natureza finta do homem,
permanecerá pela eternidade o mais profundo milagre e o mistério mais
impenetrável de todo o universo.
Teologia
Sistemática.
Wayne
Grudem.
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