A natureza da igreja
Como
reconhecer uma verdadeira igreja?
Quais
são os propósitos da igreja?
O
que torna uma igreja mais ou menos agradável a Deus?
EXPLICAÇÃO
E BASE BÍBLICA
A
natureza da igreja
A
Definição: A igreja é a comunidade de todos os verdadeiros crentes em todas as
épocas. Essa definição entende que a igreja seja composta de todos os que são
verdadeiramente salvos. Paulo diz que “Cristo amou a
igreja e entregou-se por ela” (Ef 5.25). Aqui a palavra “igreja”
aplica-se a todos aqueles por quem Cristo morreu a fim de redimi-los, todos os
que são salvos pela morte de Cristo. Mas ela deve incluir todos os verdadeiros
crentes de todas as épocas, tanto do período do NT como do período do AT. É tão
grande o plano de Deus para a igreja que ele exaltou Cristo a uma posição
elevada de autoridade por amor à sua igreja: “Deus colocou todas as coisas debaixo de seus pés e o
designou cabeça de todas as coisas para a igreja, que é o seu corpo, a
plenitude daquele que enche todas as coisas, em toda e qualquer circunstância”
(Ef 1.22,23).
O
próprio Jesus Cristo edifica sua igreja chamando para si o seu povo. Ele
prometeu: ”edificarei a minha igreja” (Mt 16.18). Mas esse processo pelo qual Cristo edifica a
igreja é apenas a continuação do padrão estabelecido por Deus no AT, quando ele
chamou pessoas para si mesmo para serem uma assembléia adoradora perante ele.
Há diversas indicações no AT de que Deus viu seu povo como “igreja”, o povo
reunido com o propósito de adorá-lo. Quando Moises diz ao povo que o Senhor lhe
havia dito: “Reúna o povo diante de mim para ouvir as
minhas palavras, a fim de que aprendam a me temer enquanto viverem sobre a
terra, e as ensinem a seu filhos” (Dt 4.10), a LXX traduz a palavra “reunir”
(heb. q ¯ ahal) usando o termo grego ekkl¯ esiaz ¯o, que significa “convocar uma assembléia”, um verbo que é cognato
do substantivo grego do NT ekkl¯ esia, “igreja”
Não
é de surpreender que os autores do NT falem do povo de Israel do AT como
“igreja” (ekklēsia). Por exemplo, Estêvão
fala do povo de Israel no deserto como “a igreja
(ekklēsia) no desertor (At 7.38, tradução do autor). Da mesma forma o
autor de Hebreus cita Cristo referindo-se a ele como quem haveria de louvar a
Deus no meio da grande assembléia do povo de Deus no céu: “Proclamarei o teu nome a meus irmãos; na igreja (ekklēsia)
te louvarei” (Hb 2.12, tradução do autor; o escritor de Hebreus está
citando SL 22.22).
Portanto,
o autor de Hebreus entende que os cristãos do tempo presente que constituem a
igreja sobre a terra estão cercados por uma grande ”nuvem
de testemunhas” (Hb 12.1) que abrange retroativamente as épocas do AT,
incluindo Abel, Enoque, Noé, Abraão, Sara, Gideão, Baraque, Sansão, Jefté,
Davi, Samuel e os profetas (Hb 11.4-32). Todas essas “testemunhas” rodeiam o
povo de Deus do tempo presente, e parece apropriado pensar que elas, juntamente
com o povo de Deus do NT, sejam a grande “assembléia” espiritual de Deus, ou
seja, a “igreja” Portanto, muito embora
haja certamente novos privilégios e novas bênçãos conferidas ao povo de Deus no
NT, ambos os usos do termo igreja na Escritura e o fato de que por meio de toda
a Escritura Deus sempre chamou seu povo para reunir-se para a adoração do seu
nome indicam que é correto entender que a igreja é constituída de todo o povo
de Deus de todas as épocas, tanto dos crentes do AT como do NT.
2. A igreja é
invisível, todavia visível.
Em sua verdadeira realidade espiritual como a comunhão de todos os crentes
genuínos, a igreja é invisível. Isso porque não podemos ver a condição
espiritual do coração das pessoas. Podemos ver exteriormente os que freqüentam
a igreja e observar evidências exteriores de mudanças espirituais interiores,
mas realmente não podemos olhar para o coração das pessoas e ver o estado
espiritual delas — somente Deus pode fazer isso. É por isso que Paulo diz: “O Senhor conhece
quem lhe pertence” (2Tm 2.19). Em
nossas igrejas e em nossa vizinhança, somente Deus sabe com certeza (sem margem
de erro) quem são os verdadeiramente crentes. Falando da igreja como invisível,
o autor de Hebreus refere-se “à igreja dos primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus” (Hb
12.23) e diz que os cristãos do tempo presente se juntam a essa
assembléia em adoração.
Podemos
dar a seguinte definição: A igreja invisível é a igreja como Deus a vê. Tanto
Martinho Lutero como João Calvino foram enfáticos em afirmar esse aspecto
invisível da igreja contra o ensino de que a Igreja Católica Romana era a única
organização visível que descendia dos apóstolos em linhagem ininterrupta de
sucessão (por meio dos bispos da igreja). A Igreja Católica Romana argumentava
que somente em sua organização visível poderíamos encontrar a verdadeira
igreja, a única igreja verdadeira. Mesmo hoje tal pensamento é sustentado pela
Igreja Católica Romana. Tanto Lutero como Calvino discordaram dessa idéia,
asseverando que a Igreja Católica Romana possuía uma forma exterior, uma
organização, mas que isso era apenas uma casca. Calvino argumentou que
exatamente como Caifás (o sumo sacerdote do tempo de Jesus) descendia de Arão,
mas não era um verdadeiro sacerdote, assim os bispos católicos romanos
“descendiam” dos apóstolos segundo a linhagem de sucessão, mas não eram
verdadeiros bispos da igreja de Cristo, pois haviam se desviado da verdadeira
pregação do evangelho. Logo, sua organização visível não era a verdadeira
igreja.
A
verdadeira igreja de Cristo, no entanto, certamente também possui um aspecto
visível. Podemos usar a seguinte definição: A igreja visível é a igreja como os
cristãos a vêem. Nesse sentido, a igreja visível inclui todos os que professam
a fé em Cristo e dão evidência dessa fé em sua vida.
Nessa
definição, não estamos dizendo que a igreja visível é a igreja que qualquer
pessoa no mundo (como um descrente ou alguém que sustenta ensinos heréticos)
pode ver, mas estamos falando da igreja como ela é percebida por aqueles que
são crentes genuínos e que têm um entendimento da diferença entre crentes e
descrentes.
A
igreja visível espalhada por todo o mundo sempre incluirá alguns descrentes, e
as congregações individuais normalmente incluirão alguns descrentes, porque não
podemos ver o coração como Deus vê. Paulo fala de Himeneu e Fileto: “O ensino deles
alastra-se como câncer [...] Estes se desviaram da verdade li.] a alguns pervertem
a fé” (2Tm 2.17,18). Mas ele está confiante de que “o Senhor conhece quem lhe pertence” (2Tm
2.19). Semelhantemente, Paulo adverte os presbíteros de Éfeso: “Sei que, depois
da minha partida, lobos ferozes penetrarão no meio de vocês e não pouparão o
rebanho. E dentre vocês mesmos se levantarão homens que torcerão a verdade, a
fim de atrair os discípulos” (At 20.29,30). O próprio Jesus
advertiu: “Cuidado
com os falsos profetas. Eles vêm a vocês vestidos de peles de ovelhas, mas por
dentro são lobos devoradores. Vocês os reconhecerão por seus frutos” (Mt
7.15,16). Percebendo essa distinção entre a igreja invisível e a
visível, Agostinho disse da igreja visível: “Muitas são as ovelhas do lado de
fora, muitos os lobos do lado de dentro”.
Quando
reconhecemos que há descrentes na igreja visível, há o perigo de nos tornarmos
demasiadamente desconfiados e de começarmos a duvidar da salvação de muitos
crentes verdadeiros. Calvino advertiu contra esse perigo dizendo
que devemos fazer um “juízo de afeição” pelo qual reconhecemos como membros da
igreja todos os que “pela confissão de fé, e pelo exemplo de vida, e pela
participação dos sacramentos, conosco professam o mesmo Deus e Cristo”.
Devemos tentar não excluir pessoas da comunhão da igreja até que elas por pecado
público tragam disciplina sobre si mesmas. E óbvio, contudo, que a igreja não
deveria tolerar em seu rol de membros “descrentes confessos” que, por profissão
ou por vida, claramente se declaram fora da verdadeira igreja.
3. A igreja é
local e universal.
No NT a palavra igreja pode ser aplicada a um grupo de crentes em qualquer
nível, desde a reunião de um grupo pequeno em uma casa particular até um grupo
de verdadeiros crentes na igreja universal. A comunidade que se reunia nas
casas é chamada “igreja” em Romanos
16.5 e lCoríntios 16.19 (“Áqüila e Priscila 1 [...] e
também a igreja que se reúne na casa deles”). A igreja que se encontra
em uma cidade também é chamada “igreja” (1 Co. 1.2; 2Co 1.1; lTs 1.l).A igreja
de uma região é chamada ”igreja” em Atos
9.31:”A igreja passava. por um período de paz em toda a Judéia, Galiléia e
Sarnaria”. Finalmente, a igreja por todo o mundo pode ser chamada “igreja”.
Paulo diz: “Cristo amou a igreja e entregou-se por ela” (Ef 5.25), e disse
ainda: “Na igreja, Deus estabeleceu
primeiramente apóstolos; em segundo lugar, profetas; e em terceiro lugar,
mestres...” (lCo 12.28). Neste versículo, a menção de “apóstolos”, que não
foram dados à igreja individual, garante que a referência seja à igreja
universal.
Podemos
concluir que o grupo do povo de Deus considerado em qualquer nível desde a
igreja local até a universal pode corretamente ser chamado “igreja”. Não
devemos cometer o erro de dizer que somente a reunião de pessoas em casas
expresse a verdadeira natureza da igreja, ou que somente igreja no nível de uma
cidade possa ser corretamente chamada “igreja”,’ ou que somente a igreja
universal possa ser corretamente chamada “igreja”. Ao contrário, a comunidade
do povo de Deus considerada em qualquer nível pode corretamente ser chamada
igreja.
4. Metáforas para a igreja. A fim de nos
ajudar no entendimento da natureza da igreja, a Escritura usa uma variedade de
imagens para nos descrever a que a igreja se assemelha. Há diversas imagens
relacionadas com a família — por exemplo, Paulo vê a igreja como a família
maior: “Não repreenda asperamente o
homem idoso, mas exorte-o como se ele fosse seu pai; trate os jovens como a
irmãos; as mulheres idosas, como a mães; e as moças, como a irmãs, com toda a
pureza” (lTm 5.1,2). Deus é o nosso Pai celestial (Ef 3.14), e nós somos
seus filhos e filhas, pois Deus nos diz:
“Lhes serei Pai, e vocês serão meus filhos e minhas filhas, diz o Senhor
todo-poderoso” (2Co 6.18). Somos, portanto, irmãos e irmãs uns dos outros
na família de Deus (Mt 12.49,50; lJo 3.14-18). Uma metáfora de família um tanto
diferente é vista quando Paulo se refere à igreja como a noiva de Cristo. Ele
diz que o relacionamento entre marido e esposa refere-se “a Cristo e à igreja” (Ef 5.32); diz também que ele produziu o compromisso
de noivado entre Cristo e a igreja em Corinto e que isso relembra compromisso
entre a noiva e aquele que vai ser seu marido: “Eu os prometi a um único marido, Cristo, querendo apresentá-los a
ele como uma virgem pura” (2Co 11.2)
— aqui Paulo olha com expectativa para o tempo do retorno de Cristo como o
tempo em que a igreja será apresentada a ele como sua noiva.
Em
outras metáforas, a Escritura compara a igreja aos ramos de uma videira (Jo
15.5), a uma oliveira (Rm 11.17-24),a uma lavoura (lCo 3.6-9),a um edifício
(lCo 3.9) e a uma colheita (Mt 13.1-30; lo 4.35). A igreja também é vista como
um novo templo, não
construído com pedras literais, mas construído com pessoas cristãs que são
pedras vivas” (1 Pe 2.5),
edificadas sobre a pedra fundamental” que é Cristo Jesus (lPe 2.4-8). Todavia,
a igreja não é somente um novo templo para a adoração de Deus; é também um novo
corpo de sacerdotes, um “sacerdócio santo” que pode oferecer”sacrifícios
espirituais aceitáveis a Deus”(lPe 2.5). Somos também vistos como casa de Deus
(Hb 3.6), sendo o próprio Jesus Cristo visto como o “construtor” da casa (Hb
3.3). A igreja também é vista como “coluna e fundamento da verdade” (lTm 3.15).
Finalmente,
outra metáfora familiar vê a igreja como o corpo de Cristo (lCo 12.12-27).
Devemos reconhecer que Paulo de fato usa duas metáforas diferentes do corpo
humano quando fala da igreja. Aqui em 1 Coríntios 12 o corpo inteiro é tomado como
metáfora da igreja, porque Paulo fala do “ouvido”, do “olho” e do “olfato” (1
Co 12.16,17). Nessa metáfora, Cristo não é visto como a cabeça ligada ao corpo,
porque os membros individuais são em si mesmos as partes individuais da cabeça.
Cristo é nessa metáfora o Senhor que está “fora” desse corpo que representa a
igreja e é a quem a igreja serve e adora.
Mas
em Efésios 1.22,23; 4.15,16 e em Colossenses 2.19 Paulo usa uma metáfora
diferente de corpo para referir-se à igreja. Nessas passagens, Paulo diz que
Cristo é o cabeça e a igreja é como o restante do corpo, distinto da cabeça:
“Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça,
Cristo. Dele todo o corpo, ajustado e unido pelo auxílio de todas as juntas,
cresce edifica-se a si mesmo em amor, na medida em que cada parte realiza a sua
função” (Ef 4.15,16). Não devemos confundir essas duas metáforas, a de
lCoríntios 12 e a de Efésios 4, mas mantê-las distintas.
A ampla gama de
metáforas usada para a igreja no NT deveria nos lembrar de não enfatizar
exclusivamente uma delas. A ênfase indevida em uma metáfora com a exclusão de
outras certamente resultará em uma perspectiva desequilibrada da igreja. Além disso, cada uma das
metáforas usadas para a igreja pode nos ajudar a apreciar mais as riquezas do
privilégio que Deus nos deu incorporando-nos na igreja. O fato de que a igreja
é como uma família deveria aumentar o nosso amor e comunhão uns com os outros.
O pensamento de que a igreja é igual à noiva de Cristo deveria estimular-nos a
lutar pela pureza e santidade maiores e também ao amor e submissão maiores a
Cristo. A imagem da igreja como ramos da videira deveria levar-nos ao descanso
mais pleno em Cristo. Essas são apenas algumas das muitas aplicações que
poderiam ser feitas da rica diversidade de metáforas para a igreja usada na
Escritura.
A igreja e Israel. Entre os protestantes
evangélicos há diferentes perspectivas sobre a questão do relacionamento entre
Israel e a igreja. Uma perspectiva é a dispensacionalista.
De acordo com ela, Deus tem dois planos distintos para dois grupos diferentes
de pessoas que redimiu. Por um lado, os propósitos e as promessas para Israel
são bênçãos terrenas, e serão cumpridas nesta terra em algum tempo no futuro.
Por outro lado, os propósitos e as promessas para a igreja são bênçãos
celestiais, e essas promessas serão cumpridas no céu. Essa distinção entre os
dois grupos diferentes que Deus salva será vista especialmente no milênio, pois
naquele tempo Israel reinará sobre a terra como o povo de Deus e desfrutará o
cumprimento das promessas do AT, mas a igreja a essa altura já terá sido levada
para o céu no tempo do retorno secreto de Cristo para os santos (“o arrebatamento”). Nessa perspectiva,
a igreja não começou antes do Pentecoste (At 2), e não seria correto pensar nos
crentes do AT junto com os crentes do NT constituindo uma igreja.
Diversos
líderes entre os dispensacionalistas mais recentes têm modificado muitos desses
pontos, referindo-se à sua estrutura teológica como “dispensacionalismo
progressivo”. Eles não vêem a igreja como um parêntese no plano de Deus, mas
como o primeiro passo em direção ao estabelecimento do Reino de Deus. Há assim
um propósito único para Israel e a igreja — o estabelecimento do Reino de Deus
— de que ambos, Israel e a igreja, compartilham. Além disso, o
dispensacionalismo progressivo não veria distinção alguma entre Israel e a
igreja no futuro estado eterno, pois todos serão parte do mesmo povo.
Contudo,
há ainda uma diferença entre os dispensacionalistas progressivos e o restante
dos evangélicos sobre um ponto: eles diriam que as profecias do AT concernentes
a Israel ainda serão cumpridas no milênio pelo povo étnico judeu que crerá em
Cristo e que viverá na terra de Israel como “nação-modelo” para a qual todas as nações olhariam e com a qual
todas aprenderiam. Portanto, eles não diriam que a igreja é o “novo Israel” ou que todas as profecias
do AT a respeito de Israel serão cumpridas na igreja, pois essas profecias
ainda serão cumpridas no Israel étnico.
A
posição assumida neste livro difere muito das posições dispensacionalistas
tradicionais. Contudo, deve ser dito aqui que as questões a respeito do modo
exato em que as profecias bíblicas a respeito do futuro serão cumpridas são por
natureza difíceis de decidir com segurança, e é sábio ter algumas hesitações em
nossas conclusões sobre o assunto. Com isso em mente, pode ser dito o que se
segue.
Tanto
teólogos protestantes como católicos que estão fora do círculo
dispensacionalista têm dito que a igreja inclui tanto crentes do AT como do NT
em uma igreja ou um corpo de Cristo. Devemos observar primeiro os muitos
versículos do NT que entendem que a igreja seja o “novo Israel” ou o novo “povo
de Deus”. O fato de que “Cristo amou a igreja e entregou-se por ela” (Ef 5.25)
sugere isso. Ademais, esta era atual da igreja, que tem trazido a salvação a
muitos milhões de cristãos, não é uma interrupção ou um parêntese nos planos de
Deus, mas a continuação do seu plano expresso por todo o AT chamando pessoas
para si. Paulo diz: “Não é judeu quem o é apenas exteriormente, nem é circuncisão
a que é meramente exterior e física. Não! Judeu é quem o é interiormente, e
circuncisão é a operada no coração, pelo Espírito, e não pela Lei escrita” (Rm
2.28,29). Paulo reconhece que, embora haja um sentido natural ou
literal no qual os que descenderam fisicamente de Abraão são chamados judeus,
há também um sentido mais profundo ou espiritual no qual o “judeu verdadeiro” é aquele que é interiormente um crente e cujo
coração foi purificado por Deus.
Paulo
diz que Abraão não deve somente ser considerado o pai do povo judeu em sentido
físico. Ele é também no sentido mais profundo e mais verdadeiro “o pai de todos os
que crêem, sem terem sido circuncidados [...] e é igualmente o pai dos
circuncisos que não somente são circuncisos, mas também andam nos passos da fé
que teve nosso pai Abraão antes de passar pela circuncisão” (Rm 4.11,12; cf. v.
16,18). Portanto, Paulo pode dizer: “Não pensemos que a palavra de Deus falhou.
Pois nem todos os descendentes de Israel são Israel. Nem por serem descendentes
de Abraão passaram todos a ser filhos de Abraão. Ao contrário: ‘Por meio de Isaque a sua descendência será considerada’. Isto é, não são os filhos naturais que são filhos de Deus,
mas os filhos da promessa é que são considerados descendência de Abraão” (Rm
9.6-8). Paulo aqui sugere que os verdadeiros filhos de Abraão — “Israel” no sentido mais verdadeiro não é a nação de
Israel por ascendência física de Abraão, mas os que creram em Cristo.
Longe
de pensar na igreja como grupo separado do povo judeu, Paulo escreve aos
crentes gentios de Éfeso dizendo-lhes que anteriormente eles estavam “sem Cristo,
separados da comunidade de Israel, sendo estrangeiros quanto às alianças da
promessa, sem esperança e sem Deus no mundo” (Ef2.12),mas que agora
eles “foram
aproximados mediante o sangue de Cristo” (Ef 2.13).E quando os gentios
foram trazidos à igreja, judeus e gentios foram unidos em um só corpo. Paulo
diz que Deus “destruiu
a barreira, o muro de inimizade, anulando em seu corpo a Lei dos mandamentos
expressa em ordenanças. O objetivo dele era criar em si mesmo, dos dois, um
novo homem, fazendo a paz, e reconciliar com Deus os dois em um corpo, por meio
da cruz, pela qual ele destruiu a inimizade” (Ef 2.14-16). Portanto,
Paulo pode dizer que os gentios são “concidadãos dos santos e membros da família de Deus,
edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, tendo Jesus Cristo
como pedra angular”(Ef 2.19,20). Com essa consciência ampla do pano
de fundo do AT para a igreja do NT, Paulo pode ainda dizer que “os gentios são
co-herdeiros com Israel, membros do mesmo corpo, e co-participantes da promessa
em Cristo Jesus” (Ef 3.6). A passagem toda fala fortemente da unidade de crentes
judeus e gentios no corpo em Cristo e não dá indicação alguma de qualquer plano
distintivo para a salvação do povo judeu independentemente do corpo de Cristo,
a igreja. A igreja incorpora em si mesma todo o verdadeiro povo de
Deus, e quase todos os títulos usados para o povo de Deus no AT são em um lugar
ou outro aplicados à igreja do NT. Esses textos, juntamente com muitos outros,
nos dão a segurança de que a igreja se tornou agora o verdadeiro Israel de Deus
e vai receber todas as bênçãos prometidas a Israel no AT.
As
“marcas” da igreja (características distintivas)
Há igrejas
verdadeiras e igrejas falsas.
O que realmente torna um grupo de
pessoas uma igreja? O que é
necessário para haver uma igreja? Será que um grupo de pessoas que alegam ser
cristãs pode tornar-se tão diferente do que uma igreja deve ser que ele não
mais possa ser chamado igreja?
Embora
nos primeiros séculos da igreja cristã houvesse pouca controvérsia a respeito
do que seria uma igreja verdadeira, com a Reforma uma questão crucial surgiu:
Como podemos reconhecer uma igreja verdadeira? A Igreja Católica Romana é uma
igreja verdadeira ou não? Para responder a essa pergunta, as pessoas tiveram de
decidir quais eram as “marcas” de uma igreja verdadeira, as características
distintas que nos levam a reconhecê-la como igreja verdadeira.
A
Escritura certamente fala de igrejas falsas. Paulo fala dos templos pagãos em
Corinto: “Quero
dizer que o que os pagãos sacrificam é oferecido aos demônios e não a Deus”
(lCo 10.20). Ele diz aos coríntios: “Vocês
sabem que, quando eram pagãos, de uma forma ou de outra eram fortemente
atraídos e levados para os ídolos mudos” (lCo 12.2).Esses templos pagãos
eram certamente igrejas ou assembléias religiosas falsas. Ademais, a Escritura
pode falar de uma assembléia religiosa que é realmente uma “sinagoga de Satanás” (Ap 2.9; 3.9). Aqui o Senhor
ressuscitado parece estar se referindo a assembléias judaicas nas quais as
pessoas alegavam ser israelitas, mas não eram verdadeiros israelitas que
possuíam a fé salvadora. Suas assembléias religiosas não eram assembléias do
povo de Cristo nessa época, mas dos que ainda pertenciam ao reino das trevas, o
reino de Satanás. Isso certamente também seria uma igreja falsa.
Em
grande medida, havia concordância entre Lutero e Calvino sobre essa questão da
constituição da verdadeira igreja.A afirmação de fé luterana, chamada Confissão
de Augsburgo (1530), definiu a igreja como “a congregação de todos os crentes, entre os quais o
evangelho é pregado puramente e os santos sacramentos são administrados de
acordo com o evangelho” (Art. VII). Semelhantemente, João Calvino
disse: “Pois,
onde quer que vemos a Palavra de Deus ser sinceramente pregada e ouvida, onde
[vemos] serem os sacramentos administrados segundo a instituição de Cristo, aí,
de modo nenhum se há de contestar, está uma igreja de Deus”. Ainda
que haja ligeiras diferenças nessas confissões, o entendimento que eles tiveram
das marcas distintivas de uma verdadeira igreja é muito semelhante. Em
contraste com a visão de Lutero e de Calvino com respeito às marcas da igreja,
a posição da Igreja Católica Romana tem sido que a igreja visível, que
descendeu de Pedro e dos apóstolos, é a verdadeira igreja.
Parece
apropriado considerar a visão de Lutero e Calvino sobre as marcas da verdadeira
igreja como correta ainda hoje. A primeira marca que eles observaram foi a
pregação correta da Palavra. Certamente, se a Palavra de Deus não está sendo
pregada, mas simplesmente as falsas doutrinas ou as doutrinas humanas, então
não há verdadeira igreja. Em alguns casos, podemos ter dificuldade em
determinar exatamente quantas doutrinas errôneas podem ser toleradas antes de
uma igreja deixar de ser considerada uma verdadeira igreja, mas há casos muito
claros em que podemos dizer que uma igreja verdadeira não existe. Por exemplo,
a Igreja de Jesus Cristo dos
Santos dos Últimos Dias (mórmon) não sustenta qualquer doutrina
fundamental sobre a salvação, sobre a pessoa de Deus ou sobre a pessoa e obra
de Jesus. Ela é claramente uma igreja falsa. Semelhantemente, as Testemunhas de
Jeová ensinam a salvação pelas obras, não somente pela confiança em
Cristo. Isso é um desvio de uma doutrina fundamental, porque, se as pessoas
crêem nos ensinos desse grupo, elas simplesmente não serão salvas. Assim, as
Testemunhas de Jeová também devem ser consideradas uma igreja falsa. Quando a
pregação de uma igreja esconde de seus membros a mensagem do evangelho de salvação
somente pela fé, de modo que a mensagem do evangelho não é claramente
proclamada e não vem sendo proclamada há algum tempo, esse grupo específico não
é realmente uma igreja.
A segunda marca
da igreja, a
administração correta dos sacramentos (batismo e ceia do Senhor), foi provavelmente
afirmada em oposição ao ensino da Igreja Católica Romana de que a graça
salvadora vem por meio dos sacramentos e, portanto, os sacramentos tornaram-se “obras” pelas
quais nós temos mérito em nossa salvação. Desse modo, a Igreja Católica Romana
estava insistindo no pagamento antes que no ensino da fé como o único meio de
obter salvação, obscurecendo assim o evangelho. A necessidade de proteger a
pureza do evangelho é uma razão para considerar o uso correto dos sacramentos
(ou “ordenanças”, como são chamados pelos batistas) como a marca de uma
verdadeira igreja.
Mas
existe a segunda razão para incluir os sacramentos (ou ordenanças) como marca
da igreja. Uma vez que uma organização comece a praticar o batismo e a ceia do
Senhor, ela demonstra ser uma organização que continua essas práticas e está
tentando funcionar como uma igreja. (Na sociedade moderna, uma organização que
comece a se reunir aos domingos pela manhã para a adoração, a oração e para
ensinar a Bíblia estará demonstrando claramente que está tentando funcionar
como uma igreja.)
Uma
terceira razão para incluir o uso correto dos sacramentos (ou ordenanças) é que
o batismo e a ceia do Senhor servem como “controle
do rol de membros” da igreja. O batismo é o meio de admissão de pessoas em
uma igreja, e a ceia do Senhor é o meio de permitir que pessoas dêem um sinal
de sua permanência no rol de membros da igreja — isso quer dizer que a igreja
considera os que recebem o batismo e a ceia do Senhor como pessoas salvas. Portanto,
essas atividades indicam o que uma igreja pensa a respeito da salvação, e elas
são devidamente listadas como uma marca da igreja também hoje. Por contraste,
os grupos que não administram o batismo e a ceia do Senhor indicam que não
pretendem funcionar como uma igreja. Alguém pode permanecer em uma esquina com
uma pequena multidão, e haver uma verdadeira pregação, com pessoas ouvindo a
Palavra, mas o povo reunido não seria uma igreja. Mesmo um estudo bíblico feito
num lar pode ter verdadeiro ensino e pessoas ouvindo a Palavra sem tornar-se
uma igreja. Mas se um estudo bíblico em um local começa a batizar os
recém-convertidos e eles passam regular-mente a participar da ceia do Senhor,
tais atitudes demonstram a intenção de funcionar como uma igreja, portanto
seria difícil não considerar esse grupo uma igreja em si mesma.
Igrejas verdadeiras e falsas hoje. Em razão da questão colocada
durante a Reforma, o que dizer a respeito da Igreja Católica Romana hoje? É uma
igreja verdadeira? Aqui parece que não podemos simplesmente tomar uma decisão
com respeito a ela como um todo porque está hoje muito diversificada. Algumas
paróquias católicas certamente carecem de ambas as marcas —há pouca ou nenhuma
pregação verdadeira da Palavra, e a mensagem de salvação do evangelho somente
pela fé em Cristo não é conhecida ou recebida pelas pessoas. A participação nos
sacramentos é vista como uma “obra” que pode alcançar mérito com Deus. Tal grupo
de pessoas não é uma verdadeira igreja cristã. Em contrapartida, há atualmente
muitas paróquias católicas em várias partes do mundo nas quais o sacerdote
local tem conhecimento salvador genuíno de Cristo e um relacionamento vital e
pessoal com Cristo em oração e estudo da Bíblia. Suas homilias e o ensino
particular da Bíblia colocam muita ênfase na fé pessoal e na necessidade de
leitura individual da Bíblia e de oração. Seu ensino sobre os sacramentos
enfatiza os aspectos simbólicos e comemorativos em vez de tratá-los como atos
que ocasionam a infusão da graça salvadora. Em tal caso, embora devamos dizer
que ainda temos profundas diferenças com o ensino católico em relação a algumas
doutrinas, entretanto parece que tal igreja se aproximaria a tal ponto das duas
marcas da igreja que seria difícil negar que ela é de fato uma verdadeira
igreja. Ela pareceria constituir uma genuína congregação de crentes na qual o
evangelho é ensinado (embora não puramente) e os sacramentos são administrados
mais correta que erroneamente.”
Há
igrejas falsas dentro do protestantismo? Olhando para as duas marcas
distintivas da igreja, parece-me que muitas igrejas protestantes liberais de
hoje são de fato falsas igrejas. Será que o evangelho da justiça pelas obras e
da incredulidade na Escritura que essas igrejas ensinam é muito diferente com
respeito à salvação do ensino da Igreja Católica Romana no tempo da Reforma? E
o que essas igrejas fazem, administrando os sacramentos sem o ensino da sã
doutrina a qualquer pessoa que aparece, dando falsa segurança a pecadores não
regenerados, não é semelhante ao que os católicos faziam com os sacramentos no
tempo da Reforma? Quando há uma assembléia de pessoas que leva o nome cristã,
mas que ensina firmemente que as pessoas não podem crer em sua, Bíblias — de
fato, uma igreja cujo pastor e congregação raramente lêem suas Bíblias ou oram
de modo significativo, e não crêem ou talvez nem mesmo entendam o evangelho da
salvação somente pela fé em Cristo — como podemos dizer que essa é uma
verdadeira igreja?
Os
propósitos da igreja
Podemos
entender os propósitos da igreja em termos de ministério para com Deus, com os
crentes e com o mundo.
1. Ministério para com Deus:
Adoração.
Em relação a Deus, o propósito da igreja é adorá-lo. Paulo aconselha a igreja
de Colossos:”Cantem salmos,hinos e cânticos espirituais com gratidão a Deus em
seu coração” (Cl 3.16). Deus nos destinou em Cristo e nos separou “a fim de que
nós sejamos para o louvor da sua glória” (Ef 1.12).A adoração na igreja não é
meramente a preparação para algo mais; ela é em si mesma o cumprimento do maior
propósito da igreja com referência ao seu Senhor. Essa é a razão pela qual
Paulo exortou os efésios a aproveitar “ao máximo cada oportunidade”, associando
isso com o mandamento para que se enchessem do Espírito e, então, falassem
entre si com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando de
coração ao Senhor” (Ef 5.16-19).
2. Ministério para com os crentes:
Fortalecimento.
Segundo a Escritura, a igreja tem a obrigação de fortalecer os que já são
crentes e edificá-los para chegarem à maturidade da fé. Paulo disse que seu
alvo não era simplesmente trazer pessoas à fé inicial, mas advertir e ensinar
“a cada um com toda a sabedoria, para que apresentemos todo homem perfeito em
Cristo” (Cl 1.28). E ele disse à igreja de Éfeso que Deus deu à igreja pessoas
capacitadas “com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para
que o corpo de Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a unidade da fé
e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a
medida da plenitude de Cristo” (Ef 4.12,13). É claramente contrário ao padrão
do NT pensar que o nosso único objetivo com as pessoas é trazê-las à fé
salvadora inicial. Nosso alvo como igreja deve ser apresentar perante Deus todo
cristão “perfeito em Cristo” (CL 1.28).
3. Ministério para com o mundo:
Evangelização
e misericórdia. Jesus disse aos discípulos que eles deveriam fazer “discípulos
de todas as nações” (Mt 28.19). Essa obra evangelística de declarar o evangelho
é o ministério primário que a igreja tem para com o mundo. Todavia, um ministério
de misericórdia deve vir acompanhando o ministério de evangelização, um
ministério que inclua a preocupação com os pobres e necessitados, em nome do
Senhor. Embora a ênfase do NT seja sobre dar ajuda material aos que são parte
da igreja (At 11.29; 2Co 8.4; lJo 3.17), há ainda a afirmação de que é justo
ajudar os descrentes mesmo que eles não respondam com gratidão ou que não
aceitem a mensagem do evangelho. Jesus nos diz: “Amem, porém, os seus inimigos,
façam-lhes o bem e emprestem a eles, sem esperar receber nada de volta. Então,
a recompensa que terão será grande e vocês serão filhos do Altíssimo, porque
ele é bondoso para com os ingratos e maus. Sejam misericordiosos, assim como o
pai de vocês é misericordio” (Lc 6.35,36).
O
argumento da explicação de Jesus é que devemos imitar Deus em ser amáveis para
os que são ingratos e maus.
Além
disso, temos o exemplo de Jesus, que não buscou curar somente os que o
aceitaram como Messias. Antes, quando grandes multidões vieram a ele, “ele os
curou, impondo as mãos sobre cada um deles” (Lc 4.40). Isso deveria dar-nos
encorajamento para praticar ações amáveis e orar pela cura e por outras
necessidades na vida dos descrentes assim como na dos crentes. Tais ministérios
de misericórdia ao mundo podem também incluir a participação em atividades
cívicas ou a tentativa de influenciar a política governamental para torná-la
mais compatível com os princípios morais da Bíblia. Nas áreas onde há
sistematicamente injustiça manifestada no tratamento aos pobres, a grupos étnicos
ou ainda a minorias religiosas, a igreja deveria também orar e — à medida que
tem a oportunidade — pregar contra a injustiça. Todos esses são caminhos pelos
quais a igreja pode suplementar o seu ministério evangelístico ao mundo e, de
fato, embelezar o evangelho que professa. Mas tais ministérios de misericórdia
ao mundo nunca devem tornar-se um substituto da genuína evangelização ou de
outras áreas do ministério para com Deus e para com os crentes mencionados
anteriormente.
4. Mantendo esses propósitos em equilíbrio:
Uma
vez que mencionamos esses propósitos para a igreja, alguém poderia perguntar:
“Qual é o mais importante?”. Ou outra pessoa perguntaria: “Poderíamos
considerar um desses três menos importante que os outros?”.
Devemos
responder que os três propósitos da igreja são ordenados por Deus na Escritura;
portanto, todos são importantes e nenhum deles pode ser negligenciado. De fato,
uma igreja forte terá ministérios eficazes nessas três áreas. Devemos nos
precaver contra quaisquer tentativas de reduzir o propósito da igreja a somente
um dos três e dizer que esse deveria ser o foco principal. De fato, tais
tentativas de tornar um dos três propósitos mais importantes sempre resultarão
em alguma negligência dos outros dois.
Contudo,
diferentemente das igrejas, os indivíduos devem estabelecer uma prioridade em
relação a um ou outro desses propósitos da igreja. Porque somos iguais a um
corpo com diversos dons espirituais e capacidades, é correto colocarmos ênfase
maior no cumprimento do propósito da igreja que está relacionado mais de perto
com os dons e interesses que Deus nos deu. Quem tem o dom de evangelização deve
naturalmente gastar algum tempo com a adoração e preocupação com os crentes,
mas pode acabar gastando muito mais tempo na obra evangelística. Alguém que é
líder capacitado em matéria de adoração pode dedicar 90% de seu tempo na igreja
à preparação e à condução do culto. Essa é apenas uma resposta apropriada para
a diversidade de dons que Deus nos deu.
Os
propósitos da igreja
Podemos
entender os propósitos da igreja em termos de ministério para com Deus, com os
crentes e com o mundo.
1. Ministério para com Deus:
Adoração.
Em relação a Deus, o propósito da igreja é adorá-lo. Paulo aconselha a igreja
de Colossos:”Cantem salmos,hinos e cânticos espirituais com gratidão a Deus em
seu coração” (Cl 3.16). Deus nos destinou em Cristo e nos separou “a fim de que
nós sejamos para o louvor da sua glória” (Ef 1.12).A adoração na igreja não é
meramente a preparação para algo mais; ela é em si mesma o cumprimento do maior
propósito da igreja com referência ao seu Senhor. Essa é a razão pela qual
Paulo exortou os efésios a aproveitar “ao máximo cada oportunidade”, associando
isso com o mandamento para que se enchessem do Espírito e, então, falassem
entre si com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando de
coração ao Senhor” (Ef 5.16-19).
2. Ministério para com os crentes:
Fortalecimento.
Segundo a Escritura, a igreja tem a obrigação de fortalecer os que já são
crentes e edificá-los para chegarem à maturidade da fé. Paulo disse que seu
alvo não era simplesmente trazer pessoas à fé inicial, mas advertir e ensinar
“a cada um com toda a sabedoria, para que apresentemos todo homem perfeito em
Cristo” (Cl 1.28). E ele disse à igreja de Éfeso que Deus deu à igreja pessoas
capacitadas “com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para
que o corpo de Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a unidade da fé
e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a
medida da plenitude de Cristo” (Ef 4.12,13). É claramente contrário ao padrão
do NT pensar que o nosso único objetivo com as pessoas é trazê-las à fé
salvadora inicial. Nosso alvo como igreja deve ser apresentar perante Deus todo
cristão “perfeito em Cristo” (CL 1.28).
3. Ministério para com o mundo:
Evangelização
e misericórdia. Jesus disse aos discípulos que eles deveriam fazer “discípulos
de todas as nações” (Mt 28.19). Essa obra evangelística de declarar o evangelho
é o ministério primário que a igreja tem para com o mundo. Todavia, um
ministério de misericórdia deve vir acompanhando o ministério de evangelização,
um ministério que inclua a preocupação com os pobres e necessitados, em nome do
Senhor. Embora a ênfase do NT seja sobre dar ajuda material aos que são parte
da igreja (At 11.29; 2Co 8.4; lJo 3.17), há ainda a afirmação de que é justo
ajudar os descrentes mesmo que eles não respondam com gratidão ou que não
aceitem a mensagem do evangelho. Jesus nos diz: “Amem, porém, os seus inimigos,
façam-lhes o bem e emprestem a eles, sem esperar receber nada de volta. Então,
a recompensa que terão será grande e vocês serão filhos do Altíssimo, porque
ele é bondoso para com os ingratos e maus. Sejam misericordiosos, assim como o
pai de vocês é misericordio” (Lc 6.35,36).
O
argumento da explicação de Jesus é que devemos imitar Deus em ser amáveis para
os que são ingratos e maus.
Além
disso, temos o exemplo de Jesus, que não buscou curar somente os que o
aceitaram como Messias. Antes, quando grandes multidões vieram a ele, “ele os
curou, impondo as mãos sobre cada um deles” (Lc 4.40). Isso deveria dar-nos
encorajamento para praticar ações amáveis e orar pela cura e por outras
necessidades na vida dos descrentes assim como na dos crentes. Tais ministérios
de misericórdia ao mundo podem também incluir a participação em atividades
cívicas ou a tentativa de influenciar a política governamental para torná-la
mais compatível com os princípios morais da Bíblia. Nas áreas onde há sistematicamente
injustiça manifestada no tratamento aos pobres, a grupos étnicos ou ainda a
minorias religiosas, a igreja deveria também orar e — à medida que tem a
oportunidade — pregar contra a injustiça. Todos esses são caminhos pelos quais
a igreja pode suplementar o seu ministério evangelístico ao mundo e, de fato,
embelezar o evangelho que professa. Mas tais ministérios de misericórdia ao
mundo nunca devem tornar-se um substituto da genuína evangelização ou de outras
áreas do ministério para com Deus e para com os crentes mencionados
anteriormente.
4. Mantendo esses propósitos em equilíbrio:
Uma
vez que mencionamos esses propósitos para a igreja, alguém poderia perguntar:
“Qual é o mais importante?”. Ou outra pessoa perguntaria: “Poderíamos
considerar um desses três menos importante que os outros?”.
Devemos
responder que os três propósitos da igreja são ordenados por Deus na Escritura;
portanto, todos são importantes e nenhum deles pode ser negligenciado. De fato,
uma igreja forte terá ministérios eficazes nessas três áreas. Devemos nos
precaver contra quaisquer tentativas de reduzir o propósito da igreja a somente
um dos três e dizer que esse deveria ser o foco principal. De fato, tais
tentativas de tornar um dos três propósitos mais importantes sempre resultarão
em alguma negligência dos outros dois.
Contudo,
diferentemente das igrejas, os indivíduos devem estabelecer uma prioridade em
relação a um ou outro desses propósitos da igreja. Porque somos iguais a um
corpo com diversos dons espirituais e capacidades, é correto colocarmos ênfase
maior no cumprimento do propósito da igreja que está relacionado mais de perto
com os dons e interesses que Deus nos deu. Quem tem o dom de evangelização deve
naturalmente gastar algum tempo com a adoração e preocupação com os crentes,
mas pode acabar gastando muito mais tempo na obra evangelística. Alguém que é
líder capacitado em matéria de adoração pode dedicar 90% de seu tempo na igreja
à preparação e à condução do culto. Essa é apenas uma resposta apropriada para
a diversidade de dons que Deus nos deu.
Teologia
Sistemática.
Wayne
Grudem.
Ed.
Vida.